As marcas das agressões físicas sofridas pela lavradora Dalzira de Jesus Oliveira, 46 anos e pela doméstica Juciara dos Santos, 39, em Vitória da Conquista, a 509 km de Salvador, ainda estão visíveis, mas a certeza de punição aos seus agressores suaviza a vergonha moral diante de filhos, amigos e parentes.
Em ambos os casos os responsáveis – companheiros das vítimas - foram presos em flagrante por agentes da Delegacia de Atenção à Mulher (Deam) e punidos com base na Lei Maria da Penha, que criou mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher.
Segundo a delegada titular da Deam, Rosilene Correia, casos como estes representam, em média, um volume de 15 queixas diárias. Nos finais de semana o volume é 40% maior, resultando em filas nos corredores da delegacia formadas por testemunhas ou mulheres agredidas. São vítimas de todas as idades, raças e condições econômicas. Independe de qualquer coisa, como ressalta a delegada. “Sendo mulher, pode ser vítima de violência doméstica”, enfatiza.
Para mostrar que reproduz a verdade, a policial mostra um painel com fotografias não identificadas de diversas vítimas locais. Estudantes, professoras, comerciante, recepcionista, cozinheira, comerciária, doméstica e aposentada ilustram o quadro de horror. Nos casos mais recentes os agressores também agiram no último final de semana. As vítimas ainda tentam se recuperar da brutalidade com que foram atacadas, como ocorreu com a lavradora, que teve o braço direito fraturado e com a doméstica, grávida de cinco meses e na iminência de perder o filho após o ataque do marido, Cosme Joaquim de Oliveira, 29.
Temendo sofrer represálias caso denunciasse o companheiro, Juciara preferiu o silêncio e foi trabalhar normalmente na segunda-feira, 16. Os patrões perceberam algumas manchas no corpo e notaram o comportamento estranho da funcionária. Após uma breve conversa, ficaram sabendo das agressões. “Fomos procurados e procedemos imediatamente à lavratura do flagrante, com a prisão do agressor”, disse a delegada. “Ficamos sabendo que o marido espancou a mulher, grávida, no último final de semana e ainda ameaçou atear fogo na casa caso ela o denunciasse”.
O fato ocorreu no Bairro Vila América, periferia da cidade e onde, segundo registros na Deam, acontece grande parte dos crimes de violência doméstica. “Em 2008 nós registramos 74 flagrantes dessa natureza e a média este ano segue a mesma tendência”, continuou a delegada.
Nos bairros centrais não tem sido diferente, resultando numa média de 15 queixas por dia, porém foi na zona rural que outro crime chamou a atenção para a dimensão da violência física e suas conseqüências na vítima e na família. Sofrendo sucessivos espancamentos calada, a lavradora Dalzira Oliveira continuou dessa forma mesmo quando teve o braço fraturado ao tentar se defender de um golpe com um cabo de vassoura desferido por Cosme.
“Em vez de chamar a polícia, ela foi para o hospital, sem contar a ninguém”, lamentou uma vizinha. A omissão durou pouco. Denunciado por testemunhas que assistiram a cena, o lavrador foi preso na fazenda Ribeirão, no povoado de Pedra Branca, a cinco quilômetros do centro da cidade. Ele ainda tentou negar o crime, atribuindo culpa à companheira que está hospitalizada na Santa Casa de Misericórdia de Conquista e sem previsão de alta médica.
“Ela que caiu e bateu o braço numa cerca”, mentiu. “Não é verdade”, rebateu um morador do lugar. “Há anos e anos essa mulher vem sofrendo nas mãos dele, recebendo tapas, chutes e até sendo estrangulada, mas tem medo de denunciar”.
CAMPANHA – Desenvolvida em todas as Deams do Estado, a campanha “Em briga de marido e mulher você pode ser a colher” chama a sociedade à responsabilidade sobre denúncias que possam levar agressores à cadeia.
Rosilene destaca que com o depoimento da testemunha a polícia pode materializar uma conduta e instrumentalizar um inquérito policial. “Não adianta a sociedade fechar os olhos para a violência doméstica”, pontua a delegada. “Queremos que as pessoas entendam que ela deixou de ser de ordem privada para ser de ordem pública, então todo mundo tem que ‘enfiar a colher’ nessa ferida”.
Instalada há cinco anos em Conquista, a Deam ainda enfrenta problemas estruturais e de pessoal. Tem apenas quatro agentes quando o ideal seria três vezes mais. A deficiência não frustrou a escolha da Deam local como um dos 16 modelos de aplicabilidade da Lei Maria da Penha no País e que se comprometeram com a luta pelo fim da violência contra as mulheres.
A iniciativa foi da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres e da ONG Agende “Apesar dos percalços a gente vem conseguindo fazer creditar as pessoas que fazemos um trabalho, mas isso é fruto também de parceria com uma rede de enfrentamento, como o Centro de Referência da Mulher, União de Mulheres, Núcleos de Faculdades de Direito, Centro de Referência DST/AIDS, Defensoria Pública e Sentinela, dentre outros”, finalizou.