A Comunidade de Acolhimento Socioeducativo está localizada em Tancredo Neves
Série 1/3
Redução da Maioridade Penal - Adolescente em conflito com a lei
Dentro da Comunidade de Acolhimento Socioeducativo (Case Salvador), no bairro de Tancredo Neves, as histórias de vida dos adolescentes que cumprem medidas socioeducativas se confundem. São relatos de abandono familiar e pobreza. Mas também há histórias de superação, desejo de um futuro melhor e esperança.
São realidades vividas, em sua maioria, por garotos negros com idade entre 12 e 18 anos, com baixo nível de escolaridade, oriundos de famílias desestruturadas e moradores de bairros periféricos de Salvador e cidades do interior e que foram levados para lá após cometerem algum ato infracional.
Conforme o titular da 5ª Vara da Infância e Juventude, o juiz de direito Nelson Santana do Amaral, esta é uma realidade pouco discutida ou quase nunca levada em conta pelos defensores da proposta de emenda à Constituição (PEC) 171, de agosto de 1993, que pretende reduzir de 18 para 16 anos a maioridade penal.
Vulnerabilidade
"A sociedade deve tomar conhecimento de que os adolescentes são mais vítimas do que autores. Quando se deixa de dar as condições mínimas de dignidade à pessoa humana, ela fica abaixo da linha de pobreza, em condições de vulnerabilidade. E aí os ricos, os poderosos falam, mas não veem isso, porque não conhecem", avalia o juiz.
O magistrado se refere a pessoas como Pedro*, de 20 anos. A reportagem teve acesso à Case e conversou com ele e outros internos. Pedro é de Ribeira do Pombal (a 311 km de Salvador) e há quase três anos cumpre medidas socioeducativas. Tímido, diz que se envolveu com a criminalidade por falta de oportunidade profissional e por revolta.
"Vi minha mãe adotiva passar muita humilhação no emprego. Preferi entrar na vida do crime e ser independente de um jeito fácil, mas sofrido. Aí vim parar aqui por vários motivos", disse, sem revelar por qual infração foi apreendido. Ele declarou arrependimento e garantiu que não vai mais se envolver com atos ilícitos.
Ele é contra a redução da maioridade penal. "Cadeia nenhuma ressocializa. Pedro diz que quando sair da Case pretende fazer faculdade de psicologia.
Assim como Pedro, José*, de 18 anos, está há um ano na Case. Abandonado pelo pai aos 2 anos, ele e seus quatro irmãos foram criados pela mãe. Infrator desde os 17, José disse que as más influências o levaram a praticar delitos.
"Tenho muito arrependimento. Minha família sofre muito. Hoje em dia, eu poderia estar trabalhando em algum lugar, me tornando uma pessoa melhor", reflete o jovem. José cursa os 6º e 7º anos do ensino fundamental e sonha em se tornar segurança, obter um bom emprego e dar uma vida melhor a sua família. "Quero reescrever a minha história", diz.
Acesso à cidadania é fundamental
Para o juiz Nelson Santana do Amaral, a redução da maioridade penal não é a saída para o combate à criminalidade. Para ele, a questão da violência passa por outros setores.
"Temos uma sociedade querendo que se reduza a maioridade penal de 18 para 16 anos, com a intenção de diminuir a violência, porque os crimes são bárbaros. Os casos graves que estão na mídia são isolados, são menos de 4% em nível de Salvador. Temos que preparar nossos jovens com educação de qualidade, valores éticos, cidadania, convivência social. Valores que os façam entender que subtrair do alheio vai levá-los à punição", argumenta o juiz.
Ainda segundo o magistrado, atualmente, o tráfico de drogas é o problema mais grave da sociedade e por conta dele outros crimes são cometidos. "Sobretudo o roubo de armas e celulares, importantes para o tráfico de drogas. Podemos dizer que 28% dos atos infracionais são roubo, 22% são de tráfico de drogas. Outros 50% são atos semelhantes a estes", afirma o juiz. O projeto propõe a redução para crimes hediondos como estupro, homicídio doloso (com intenção de matar), sequestro e lesão corporal grave seguida de morte.
* Pedro e José são nomes fictícios