As professoras Kátia e Vânia dão aula em bidocência
Olhar Cidadão
Segunda maior cidade da Bahia, Feira de Santana enfrenta problemas igualmente grandes na educação municipal. desde 2011, a chamada “Princesa do Sertão” não consegue atingir as metas do índice de desenvolvimento da educação básica (Ideb). na cidade, duas escolas trazem realidades discrepantes. uma é exemplo do que fracassou. a outra é modelo do que se pode fazer para ficar longe do fracasso
Nem o fato de ser a segunda maior cidade baiana e o terceiro maior Produto Interno Bruto (PIB) do estado fizeram Feira de Santana escapar de ter um dos piores índices de educação entre os dez maiores municípios da Bahia.
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Com média 4 no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2017, a Princesa do Sertão tem o terceiro pior indicador deste grupo. O número, que mede a qualidade do ensino nas escolas públicas, é revelador de uma educação municipal que vive às voltas com problemas que parecem difíceis de resolver. Desde 2011, Feira não atinge as metas do Ideb para os anos iniciais do Ensino Fundamental. No caso dos anos finais, o cenário é o mesmo e se repete desde 2013.
A Escola Municipal Doutor João Duarte Guimarães, que fica no distrito de Limoeiro, é um exemplo da realidade delicada vivida pela cidade na área. Com Ideb de 2,3 nos anos finais, a unidade tem a pior educação da cidade e enfrenta dificuldades que vão desde a desmotivação do professor até um projeto político pedagógico que parece não dar conta das demandas da escola.
No entanto, o município tem no Centro de Educação Básica (CEB) da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs) um exemplo do que deu certo e que poderia ser usado como remédio caseiro para enfrentar seus problemas com educação. Com média de 7,1 nos anos iniciais e 5,2 nos finais, a escola tem o melhor Ideb feirense, nos dois quesitos.
Estamos de olho
A segunda fase do projeto Olhar Cidadão chega à 4ª reportagem mostrando a situação da educação em municípios baianos. Em Pilão Arcado, apontamos irregularidades no transporte escolar. Em Candeias, mostramos as más condições da estrada que prejudica alunos. Em Alagoinhas, apuramos como as más gestões afetaram o ensino e identificamos que a prefeitura mantém contrato de transporte escolar no valor de R$ 5 milhões, com a empresa Safira. A série segue apontando problemas e soluções.
Mundos diferentes
Em termos de estrutura física, a Doutor João Duarte Guimarães não apresenta grandes problemas. Passou por reforma recente. Seus 700 alunos matriculados também dispõem de merenda escolar de boa qualidade e livro didático entregue aos estudantes.
Já o CEB, que possui 615 estudantes matriculados, vive uma situação diferente quando o assunto é infraestrutura Não há salas de informática nem para exibição de vídeos. Os banheiros estão com condições ruins, reclama a comunidade escolar.
Os resultados diferentes apresentados pelas escolas mostram que a infraestrutura não é fator determinante para que uma unidade de ensino ofereça educação de qualidade aos discentes. As duas estão separadas por algo considerado por educadores como essencial para uma educação que funcione: o projeto político-pedagógico (PPP). Este documento traz as propostas da escola para obter um ensino de qualidade.
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Não temos uma receita de bolo. Temos algumas características diferenciadas
Erika Medeirosdiretora, do CEB
O CEB adota um modelo considerado diferente do tradicional na educação brasileira. Ele alia a formação continuada dos professores, feita dentro da própria escola e trabalhando necessidades específicas dos profissionais da unidade, e também o monitoramento constante do desempenho dos alunos.
“Não temos uma receita de bolo. Temos algumas características diferenciadas. Temos a bidocência, com duas professoras em cada turma da educação infantil e das séries iniciais”, explica Érika Medeiros, diretora do CEB. “Toda quarta-feira, nossa equipe tem formação continuada, isto é, são horas dedicadas aos estudos e planejamentos. É um tempo dedicado a debater, de forma contínua e permanente, o PPP da escola, de forma coletiva”, detalha.
A escola funciona em convênio com a Uefs. Tanto o prédio onde funciona o infantil e as séries iniciais (dentro do campus) como o espaço onde funcionam as séries finais (fora do campus) são cedidos pela universidade. Professores e técnicos-administrativos são funcionários municipais.
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As aulas são incentivadoras, com práticas, conteúdos debatidos
Fábio Fernandesaluno, do CEB
No entanto, não é toda a população que tem acesso a essa estrutura. Hoje, 50% das vagas dos estudantes são reservadas aos filhos dos professores, técnicos, alunos e terceirizados da Uefs. Os outros 50% são para a comunidade externa, para seleção em sorteio público. O processo seletivo tem início em novembro com a publicação do edital no site da instituição e da prefeitura.
“As aulas são incentivadoras. Os professores desenvolvem atividades práticas, conteúdos debatidos e construídos de forma coletiva. Nossas opiniões são válidas”, destaca Fábio Fernandes, 14 anos, aluno do 8º ano.
Já a escola Doutor João Duarte Guimarães aplica diretrizes pedagógicas consideradas mais tradicionais, baseadas em aulas na sala, livros didáticos e lousa. Não há projeto específico da unidade para formação continuada dos professores. O PPP é considerado por docentes como “engessado”
Medidas
Além do Ideb, a educação feirense apresenta outros problemas. Segundo dados da plataforma QEdu, a taxa de reprovação de alunos foi de 14% nos anos iniciais e 23,4% nos anos finais, em 2018 – números acima dos 15% são passíveis de ações “imediatas”, aponta a ferramenta. Já o atraso escolar de dois anos é de 24% nos primeiros anos do Fundamental e chega a 43% nos últimos.
Segundo a diretora do Departamento de Ensino da Seduc, Jozélia Araújo, o fato de Feira ser uma cidade grande e populosa dificulta a resolução dos problemas da rede municipal, que tem mais de 200 escolas. Ela destaca que a prefeitura tem investido na formação continuada de professores e no monitoramento do desempenho dos alunos.
“Nós fizemos uma escuta dos professores e, a partir disso, fomos construindo as políticas educacionais. Estamos monitorando os resultados para atacar os problemas que encontramos”, defende.