A lenda diz que capoeirista quando morre vira estrela | Uendel Galter | Ag. A TARDE
Foi inaugurado nesta sexta-feira, 29, em Salvador, um monumento em homenagem ao capoeirista e compositor Mestre Moa do Katendê, assassinado com 13 facadas após uma discussão política em um bar na noite do dia 7 de outubro de 2018. A lembrança ao mestre está localizada no Dique do Tororó, em frente a Arena Fonte Nova. A inauguração do monumento contou com a participação de familiares de Moa, representações do poder público, da capoeira e do movimento negro.
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"Sentimos tanta falta dele, ele era uma pessoa tão presente na nossa vida, muito presente. Sentimos falta"
Renilda Costa, sobrinha de Moa
Nascido em Salvador, Moa do Katendê era um artista ligado às tradições afro-baianas. Compositor, dançarino, capoeirista, artesão e educador, descobriu suas raízes aos oito anos de idade no “Ilê Axé Omin Bain”, terreiro de sua tia e incentivadora.
Em 1977, consagrou-se campeão do Festival da Canção Ilê Aiyê, o primeiro bloco afro do Brasil, e em maio de 1978 fundou o “Afoxé “Badauê”, que desfilou pela primeira vez no ano seguinte e se tornou campeão do carnaval na categoria de afoxé. Em 1995 com a união de colegas e admiradores da cultura afro-brasileira, surge o grupo de afoxé “Amigos de Katendê”.
Filhas e sobrinha do mestre de capoeira | Uendel Galter | Ag. A TARDE
Somonair Costa, filha de Moa do Katendê comentou a homenagem ao pai e reforçou a sua vontade de passar para a frente todo os aprendizados e o legado do mestre.
"É de uma felicidade intensa, de uma emoção muito forte ao lembrar de todos aqueles antepassados, a história de meu pai com a capoeira, com o afoxé, com a dança, com a música, com o afro. Se eu tenho tudo isso, eu tenho que agradecer ao meu pai que é uma referência minha. Eu vou levar esse legado para frente, manter essa estrela sempre acesa. Está tudo na mente, tudo na 'caxola', na lembrança. Mestre Moa do Katendê, a falta que faz é muita, emoção forte ao lembrar a todo momento de meu pai, mas só em saber que meu pai é conhecido mundialmente, querido por todos e virou um marco histórico, uma lenda vida", disse Somonair.
No evento desta sexta, estavam presentes artistas como o cantor e compositor Tonho Materia, responsável por puxar uma roda de capoeira em homenagem ao mestre Moa. Além disso, diversos grupos de movimentos negros também prestigiaram a inauguração do movimento. Célia Santos, umas das líderes do movimento EU Negro, relatou um pouco as boas ações do capoeirista.
"É muito importante porque ele era muito bom. Mestre Moa era uma pessoa que lutava por justiça, e ele morreu injustificavelmente de uma maneira covarde. Moa era maravilhoso, um mestre, um amigo, um pai que nos ensinava muita coisa e que teve sua vida tirada covardemente. Ele cuidava dos alunos, era pai e mestre. Era uma referência na capoeira, na cultura baiana. Moa é um mestre que se foi, mas deixou nós negros para correr atrás do que ele deixou, unidos pela igualdade e vamos na luta contra o racismo. Moa vive!", afirmou Célia.
A ação encerrou a agenda do Novembro Negro da Bahia, calendário emblemático de mobilizações pelo combate ao racismo, à intolerância religiosa e garantia dos direitos da população negra, e foi articulada pelo Governo do Estado, através da Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi).
"A gente não poderia deixar o legado deste grande homem que nos representou como um mestre de capoeira, movimento que entrega a cultura da Bahia. É fazer a referência do legado de Moa, este educador, homem ativista da luta antifascista. Essa é uma homenagem do povo negro da Bahia ao nosso grande mestre, que foi um defensor da democracia e que defendeu ideais em tempo que as pessoas estão tão pouco dadas a conviver com o diferente. O que a gente quer aqui é buscar essa mensagem de paz, e defesa da democracia, para que neste ponto turístico que é o Dique do Tororó, tenha aqui colocado a memória do mestre Moa do Katendê, o legado dele em defender uma sociedade que respeita o diverso, respeita os homens e mulheres negros da Bahia, sua cultura, música", explicou Fabya Reis, titular da Sepromi.
Local da homenagem
Moa era nascido e criado na comunidade do Dique pequeno, no Engenho Velho de Brotas. O bairro é próximo a Arena Fonte Nova e ao Dique do Tororó, local onde está localizado a homenagem ao capoeirista. A imagem do rosto de Moa ao lado do monumento em formato de berimbau se tornou de uma vez por todas mais um cartão postal da cidade.
Uendel Galter | Ag. A TARDE
"Esse monumento condiz com o lugar e condiz com o homenageado, já que meu pai viveu muito tempo aqui, nasceu e se criou aqui. Virou um dos cartões postais da cidade e vai ficar bem emblemático. A homenagem meio que conforta, como se fosse a imagem dele em perfeito estado" afirmou Jasse Mahi, filha de Moa do Katendê.
A titular da Sepromi, Fabya Reis explicou a escolha do local para a homenagem ao mestre de capoeira. "Nós não poderíamos deixar de fazer algo com toda essa grandeza que foi ele, então ser aqui é uma decisão de todo o Governo da Bahia, porque ele não merecia nada menos do que isso, um lugar de destaque, um lugar de visitação, para que todas as pessoas cheguem aqui e se perguntem que foi o mestre Moa do Katendê, um homem que defendeu a paz e toda a cultura da Bahia".
Quem também comentou a localização da homenagem foi a sobrinha de Moa do Katendê, Renilda Costa. "É muito valioso, a gente não esperava essa homenagem tão grande aqui no Dique do Tororó, em frente a Fonte Nova e a memória dele não vai se apagar, vai viver pra sempre, por gerações e gerações. Isso que ocorreu com o mestre Moa fez muitas pessoas do movimento se relacionarem de outra forma".
Punição do assassino
Moa foi morto com 13 facadas desferidas pelo barbeiro Paulo Sérgio Ferreira de Santana após uma discussão política. Em julgamento realizado na quinta-feira, 21, o assassino foi condenado em júri popular a 22 anos e um mês de reclusão.
De acordo com a sentença do júri, do período total, 17 anos e 5 meses são referentes ao homicídio do Mestre Moa. O tempo restante de 4 anos e 8 meses, equivalem a tentativa de homicídio do primo dele, Germino Pereira, que também foi atingido por uma facada no braço direito, ao tentar defendê-lo dos 13 golpes que vitimaram o capoeirista.
A família da vítima demonstrou felicidade pela condenação de Paulo Sérgio. "Não vai trazer a vida dele de volta, nós da família estamos nos sentindo realizados e satisfeitos por ele ter sido condenado. Tem tanto crime impune, que até hoje não concluiu nada. A gente esperou por justiça, sempre acreditamos que teria justiça, porque o que ele fez foi muito violento com meu tio. No julgamento ele se mostrou um homem frio, a gente não viu arrependimento nele. Queríamos uma pena maior, mas a justiça foi feita", disse Renilda, sobrinha de Moa.
Jasse Mahi, filha do capoeirista foi outra a afirmar que embora exista uma sensação de justiça, os familiares esperavam uma pena maior ao barbeiro.
"Todos queríamos uma pena maior, mas tudo é com a benção de Deus e dos orixás. Ficamos felizes porque conhecemos a Justiça do Brasil e como as coisas andam aqui, então para a gente foi bem gratificante saber que ele foi condenado e não foi solto desde o dia do assassinato", comentou Jasse.
*Sob supervisão da editora Keyla Pereira