Sem controle, os serviços via cartão são comuns e têm juros acima dos praticados pelas maiores financeiras
Basta apenas ter o limite disponível no cartão de crédito para ter o dinheiro em mãos em minutos. Sem burocracia e longe dos olhos do sistema financeiro nacional, serviços de empréstimos por meio do limite do cartão de crédito são comuns e oferecem juros acima daqueles praticados pelas cinco maiores instituições financeiras do país. A TARDE encontrou empréstimos com juros de 5,6% ao mês (a.m.) e 93% ao ano (a.a), enquanto a modalidade de crédito em grandes bancos cobra, no máximo, 5,2% a.m. e 74% a.a.
Os anúncios dessa modalidade ilegal de empréstimo estão em toda parte, fixados em postes e em páginas na internet, garantindo ao cliente dinheiro rápido e sem análise de crédito. As vantagens, no entanto, param por aí, uma vez que, além de arcar com os juros do serviço, o cliente corre o risco de pagar por juros do próprio cartão – os mais altos do mercado, caso deixe de honrar com o compromisso financeiro.
“O intermediário que executou a transação não arca com nenhuma consequência da inadimplência, já que a dívida é tratada entre o consumidor e o banco. Por isso que, apesar de ser desvantajosa para o consumidor por conta da duplicidade de juros, esse tipo de atividade é vantajoso para essas ‘agências’”, pontua o economista Yuri Conrado.
Simulação
A transação é feita em até 12 parcelas, com a condição de o contratante do serviço pagar com juros, que podem chegar a quase metade do valor emprestado. A reportagem entrou em contato com serviços que prometiam “dinheiro na hora” para realizar simulações de empréstimo. Em uma das tentativas, por meio do WhatsApp, um atendente garantiu que o serviço é seguro e que precisa apenas de um cartão e um documento de identificação. O dinheiro pode ser pago em espécie ou por meio de transferência eletrônica disponível (TED) após um encontro em uma livraria de um shopping center popular da capital baiana. “Não consultamos SPC e Serasa”, anunciou o atendente.
Em uma nova tentativa, por telefone, uma atendente garante que o empréstimo é legal e que pode ser feito em uma sala comercial localizada no Caminho das Árvores. Diferentemente do primeiro serviço, por lá o dinheiro é apenas depositado na conta do solicitante. Um empréstimo de R$ 500, por exemplo, pode ser pago em 12 parcelas de R$ 58,33, o que custaria ao cliente quase R$ 700, ou 40% a mais que o valor emprestado. “Em no máximo 40 minutos o dinheiro do empréstimo estará na conta”, garantiu.
Ilegalidade
A Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs) afirma ter conhecimento da prática e ressalta que o procedimento vai contra a regulamentação dos cartões, autorizadas apenas à venda de produtos.
“Não é permitido pelos manuais de nenhuma bandeira. Quem oferece isso utiliza um mecanismo criado pelas bandeiras que é o parcelado lojista, também conhecido como parcelado sem juros. Estão mascarando uma transação. O emissor do cartão financia seu portador no consumo, não em empréstimos”, ressaltou Ricardo Vieira, diretor-executivo da Abecs.
A prática é considerada contravenção penal contra a economia popular e contra o sistema financeiro nacional, já que os serviços são feitos sem autorização do Banco Central, que regula e determina os juros praticados pelas instituições financeiras. Procurado, o Banco Central apenas informou que não tem controle sobre esses tipos de transação.
Os empréstimos feitos sem o aval do Banco Central, de acordo com a Lei nº 4.595, de 1964, pode resultar em até um ano de reclusão, dependendo de como são realizados.
Pesquisa é melhor solução para pagar menos
O empréstimo é feito sem assinatura de nenhuma cláusula de comprovação | Foto: Raphael Müller | Ag. A TARDE
O ideal é nunca recorrer a qualquer tipo de empréstimo, de acordo com o técnico e representante do Proteste Rodrigo Alexandre. Mas, em últimos casos, orienta, o ideal é fazer uma busca e comparar as vantagens e desvantagens das modalidades de crédito, optando por aquelas que oferecem as menores taxas de juros, sem se deixar levar por propostas que, a princípio, parecem ser vantajosas.
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O cartão é a primeira causa de endividamento dos brasileiros
Rodrigo Alexandre, técnico e representante da Proteste
“Todo procedimento no cartão de crédito tem que ser feito com muita cautela porque nem sempre será vantajoso para o consumidor. O cartão é a primeira causa de endividamento dos brasileiros. O crédito pessoal, consignados e as fintechs praticam juros mais baixos”, listou.
Além de não ser autorizado pelo Banco Central, o empréstimo é feito sem assinatura de nenhuma cláusula que comprove que o cliente está realizando um empréstimo.
“É algo irregular porque esse tipo de serviço trabalha com a desinformação do consumidor. Ele desconhece que está fazendo, na verdade, uma ‘agiotagem institucionalizada’. É uma prática abusiva e enganosa que pode levar o consumidor e a própria sociedade à desordem”, pontuou Sérgio São Bernardo, presidente da Comissão de Direito do Consumidor da Ordem dos Advogados da Bahia (OAB-BA).
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Prática abusiva e enganosa que pode levar o consumidor à desordem
Sérgio São Bernardo, presidente da Comissão de Direito do Consumidor (OAB-BA)
Recomendações
A Superintendência de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon-BA) recomenda que os empréstimos sejam feitos apenas em instituições que tenham autorização do Banco Central. O consumidor pode consultar o nome da empresa acessando o site. Na Delegacia de Defesa do Consumidor não há nenhum registro da prática ilegal.
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A recomendação é que o usuário ligue para a empresa do cartão
Ricardo Vieira, diretor da Abecs
“A recomendação é que o usuário ligue para a empresa do cartão comunicando esse tipo de transação não prevista nos manuais das bandeiras para que os emissores tomem as providências cabíveis. É melhor se tiver o nome da empresa que está oferecendo o serviço, ajuda no processo”, completou Ricardo Vieira, diretor-executivo da Abecs.