Apae: recursos de doações feitas a fundo municipal | Foto: Alex Oliveira | Ag. A TARDE
Dentre as várias formas de ajudar quem precisa, existem as doações por meio dos tributos pagos pelo cidadão. Além da doação direta, por meio da declaração do imposto de renda (IR) , que acontece até o dia 30 de abril, o contribuinte pode exercer a solidariedade indiretamente sempre que compra um produto ou utiliza um serviço a partir de programas de incentivos fiscais.
De acordo com a Receita Federal, a doação por meio do IR possibilita à pessoa física direcionar até 6% do valor a ser declarado, caso opte pelo modelo completo da declaração. Deste modo, o cidadão pode direcionar até 3% para fundos voltados à criança e ao adolescente, e 3% para fundos direcionados para idosos. Já para pessoas jurídicas (PJ), o direcionamento pode ser de até 1% do IR, a partir da apuração pelo lucro real.
O contador e subcoordenador da Câmara de Assuntos Tributários da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (Fecomércio), Rosenvaldo Rios, explica que, apesar de não haver um benefício financeiro para o doador, também não há malefícios ou motivos para não doar.
“Você retira do imposto que iria pagar para o governo e destina diretamente para aquela entidade. Trata-se de uma equação social de custear e beneficiar uma parte vulnerável da sociedade. A renúncia do valor é do governo, e não sua, o governo abre mão de receber até 6% e você destina para as instituições”, esclarece.
Rios alerta que as instituições escolhidas devem estar dentro de um programa homologado pelo governo, senão não haverá dedução no valor do imposto. “Se você quiser doar para o Fundo da Criança e do Adolescente, na hora de declarar você sinaliza que parte deste valor deve ser destinado ao fundo, seja ele nacional, estadual ou municipal”, diz. Optando por um fundo que não esteja homologado, o cidadão não consegue deduzir do imposto o valor doado.
De acordo com a Receita, quem optar em direcionar a porcentagem aos fundos deve imprimir o Documento de Arrecadação de Receitas Federais (Darf) no programa gerador da declaração. O sistema gera dois Darfs, um referente ao IR a ser pago, outro ao valor a ser doado. O valor destinado ao fundo será abatido do que deveria ser pago de IR ou, se preferir, somado à restituição.
O cidadão que opta em doar até 3% do imposto devido ao Fundo Estadual de Atendimento à Criança e ao Adolescente (Fecriança) beneficia organizações em todo o estado. As instituições inscrevem projetos em editais do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (Ceca-BA) e, se selecionadas, recebem a verba que se originou do IR. A partir daí, o Fecriança repassa o valor e junto ao Ceca-BA deve fiscalizar o uso do dinheiro.
Benefícios na prática
Em 2019, uma das instituições beneficiadas foi o Mus-e, que educa anualmente 800 jovens e crianças a partir de projetos de artes, no bairro da Boca do Rio.
O projeto selecionado foi o Programa de Educação Complementar (PEC), que disponibiliza aulas de natação, balé e capoeira para 150 jovens e crianças, no contraturno escolar. De acordo com Jailson Santos, presidente do Mus-e, a procura foi tanta que as turmas chegaram a beneficiar 300 crianças com o valor do edital.
“ A Boca do Rio é um bairro muito castigado pela violência e pelo tráfico de drogas. É comum você encontrar aqui meninas de 13 anos grávidas, ou meninos com pistolas na mão. Quando você traz uma criança para fazer capoeira, natação ou qualquer outra atividade, possibilita que ela acredite que pode ser alguém melhor”, ressalta Jailson.
Tânia de Almeida, coordenadora do Fecriança, explica que as cidades contam com o Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do adolescente (FMDCA), e que é simples direcionar parte do IR durante a declaração, bastando incluir o CNPJ do fundo.
“Doando você está contribuindo com a criança e com o adolescente, com a certeza de onde o dinheiro está sendo empregado e exercitando a responsabilidade social. Você se coloca como agente e não deixa apenas o Estado como responsável. Acaba ajudando a tirar jovens e crianças da marginalidade e da prostituição”, acrescenta Tânia.
De acordo com a gestão do fundo, de 2014 para cá 40 mil crianças foram beneficiadas.
Em Salvador, o FMDCA, em 2019, beneficiou 27 projetos. O valor arrecadado é gerido e aplicado pelo Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA). A Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) é um exemplo de instituição que aproveitou o recurso.
Thiago Abelardo, à frente da captação de recursos, conta que será implementado no Centro Especializado em Reabilitação (CER), no bairro de Coutos, o projeto Mais CER. Com a verba do fundo, o projeto possibilitará atividades de humanização durante o tratamento dos pacientes.
“Percebemos que as crianças ficam estressadas durante o trajeto até chegar ao CER e, para suavizar o desgaste, estamos realizando esse projeto de interação. Essa criança terá atividades lúdicas durante todo o processo de reabilitação, o que aumenta as chances desse paciente ter um desenvolvimento ampliado”, explica.
Outras formas de doar
Os programas de notas fiscais do Estado e do município de Salvador também permitem doações a partir tributos como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o Imposto Sobre Serviços (ISS).
No nível estadual, o programa Nota Premiada Bahia possibilita a escolha de duas entidades filantrópicas das áreas de saúde e de ações sociais, pelo cidadão, no momento do cadastro no programa. A partir dali, todas as vezes que a pessoa incluir o CPF nas notas fiscais pontos são revertidos em verbas para as instituições.
Luís Guimarães, coordenador de educação fiscal da Secretaria da Fazenda do Estado da Bahia (Sefaz-BA), acredita que o projeto traz ganhos para toda a sociedade pois, com o incremento da arrecadação, diversos setores são beneficiados. “Ganham os municípios, uma vez que parte do ICMS, pela legislação, é revertida para eles. Ganham as entidades, pois todas juntas recebem por ano um suporte de receita de R$ 9 milhões. A cada quatro meses, o Estado distribuiu R$ 3 milhões para as entidades cadastradas usarem nas ações sociais em todo o estado”, explicou o gestor da Sefaz.
De acordo com o coordenador, 530 entidades estão ativas. Dentre elas, as Obras Sociais Irmã Dulce (Osid). Segundo Sérgio Lopes, assessor corporativo da ONG, em 2019 a instituição recebeu R$ 1 milhão pelo programa.
“Começamos a receber ainda pelo modelo antigo (Sua Nota É um Show). De 1999 para cá, já arrecadamos R$ 17,6 milhões”, revela. Sérgio Lopes ressalta que a verba financiou as obras do Hospital da Criança e do centro de pesquisa.
O programa Nota Salvador possibilita que o cidadão receba de volta até 30% do ISS pago. O valor pode ser direcionado para instituições cadastradas.
“Para doar a uma entidade social, o cidadão não coloca o CPF na nota fiscal, ele pega essa nota e entrega para a entidade cadastrada, que buscará o crédito”, explica André Gomes, gestor do programa.
*Sob supervisão do jornalista Luiz Lasserre