Adélia Maria Pinheiro, secretária de Ciência e Tecnologia (de vermelho) e sua equipe | Foto: Uendel Galter | Ag. A TARDE
Grandes centros de produção de pesquisa, as universidades públicas baianas têm 5.561 mulheres nos seus quadros docentes, o que representa 50,8% do total. A partir de dados do Ministério da Educação, o levantamento foi realizado pela Secretaria da Ciência, Tecnologia e Inovação (Secti), que pela segunda vez tem uma mulher como titular e tem implementado ações de fomento à presença feminina na ciência.
A secretária Adélia Pinheiro conta que estão estruturando um programa para promover a participação de mais mulheres nas áreas foco da Secti e buscando a inclusão de ações afirmativas com esse objetivo na Política Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação.
Adélia ressalta que esse recorte de gênero já esteve presente no último edital da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb), cujo resultado ainda será divulgado. “Pesquisadoras negras e mulheres que apresentaram projetos terão uma pontuação diferenciada”, explica.
De acordo com uma pesquisa sobre questões de gênero no ambiente de pesquisa científica de doze países, divulgada em 2017 pela Elsevier, o Brasil é um dos nove países onde as mulheres representam mais de 40% dos pesquisadores.
No entanto, a participação não é uniforme nas diferentes áreas de conhecimento. Na física, por exemplo, as mulheres eram menos de 25% do total, e entre os inventores representavam somente 14%. Já no campo da medicina e saúde em geral, no qual a titular da Secti fez graduação, mestrado e doutorado, as mulheres já são maioria no Brasil.
Ao longo da sua carreira de pesquisadora e professora, Adélia ocupou vários cargos de gestão na Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), chegando à reitoria. Foi durante a sua segunda gestão como reitora que ela recebeu o convite para assumir a Secti, onde formou uma equipe que reúne mulheres em cargos fundamentais para o desenvolvimento científico na Bahia.
A secretária afirma que marcou posição quanto a gênero, especialmente, na escolha da chefe de gabinete Mara Clécia Dantas Souza e da diretora geral Ila Baraúna Mendes. Adélia ressalta também a presença de Adriana Teive e Argolo do Vale Froes na Diretoria de Infraestrutura para o Desenvolvimento Científico, esclarecendo que essa é uma área tipicamente dominada por homens.
Representação
A equipe de gestão da Secti tem ainda Sahadra Josephina Palmeira na Diretoria de Políticas e Programas, além de quatro mulheres em cargos de coordenação: Sílvia Almeida Barbosa nos Recursos Humanos, Adriana Souza na Contabilidade Setorial, Adriana Oliveira na Gestão Organizacional de TIC (Tecnologia da Informação e Comunicação) e Hildete Silva na área orçamentária.
Adélia conta que a busca por maior representação feminina também aparece nos conselhos vinculados à Secti e no conselho curador da Fapesb. Ela argumenta que nem sempre é possível obter paridade entre homens e mulheres, pois algumas cadeiras são de representação e nesse caso os ocupantes são escolhidos pelas respectivas instituições.
“Somente recentemente a proporção de mulheres no magistério superior vem aumentando”, observa a titular da Secti. Ela acrescenta que a ocupação de cargos de gestão nas universidades e instituições públicas também precisa avançar de forma mais pronunciada. “Considero que isso é uma característica que marca uma cultura que exclui mulheres, que dificulta o acesso a mulheres, que não estimula mulheres à participação nessa carreira e em outras também”, conclui.
Sandra de Assis | Foto: Acervo Pessoal
“Quando estava prestando vestibular, eu já me via em um laboratório de pesquisa desenvolvendo produtos novos”, conta Sandra de Assis, 46 anos, coordenadora do Laboratório de Enzimologia e Tecnologia das Fermentações da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs). Com esse sonho na cabeça, ela buscou a iniciação científica no começo da graduação em Farmácia, cursada em São Paulo, estado onde nasceu. O estudo da interferência da enzima pectina no processamento da acerola foi o 1º tema de pesquisa, ganhando aprofundamentos sucessivos no mestrado e doutorado, realizados em São Paulo, com um período em Portugal. Sua mudança para a Bahia foi motivada pela oportunidade de ser professora da Uefs, onde foi empossada no início de 2005. Vice-coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia da universidade, Sandra conta que não encontrou barreiras por ser mulher, tendo atuado em ambientes com forte presença feminina. O resultado do seu estudo mais recente é um material cicatrizante produzido a partir do extrato de abacaxis híbridos. Foi o caso do incêndio na boate Kiss que chamou a atenção da pesquisadora para a importância do desenvolvimento de novos produtos para cicatrização de feridas na pele. Na mesma época, a Embrapa a procurou e ofereceu uma grande variedade de abacaxis, fruta rica em bromelina, uma enzima com propriedades anti-inflamatórias. “Eu nunca tinha trabalhado com bromelina, então tive de fazer um estudo aprofundado, montar técnicas, metodologias…”. A meta agora é promover melhorias no produto e patentear.
Cátia Libarino | Foto: Acervo Pessoal
O interesse da engenheira florestal Cátia Libarino, 26 anos, por pesquisa científica surgiu ainda no ensino médio, quando optou pelo curso técnico de Meio Ambiente do Instituto Federal da Bahia (Ifba) de Vitória da Conquista. Nascida em São Paulo, ela mudou para Conquista com a família há 19 anos e acaba de terminar o seu mestrado em Ciências Florestais na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb).
“Desde a época da graduação eu já trabalhava no laboratório de microbiologia no diagnóstico de doenças em plantas”, ressalta Cátia, comentando a escolha pelo estudo do óleo de eucalipto como fungicida para o mestrado. A ideia partiu da observação de um fungo que infecta árvores de macadâmia e foi reforçada pelo seu interesse no desenvolvimento sustentável e na valorização de produtos florestais.
Enquanto finaliza a etapa de tradução para publicação de artigos sobre sua pesquisa, a jovem esclarece que o potencial do óleo foi provado em laboratório, mas ainda não foram realizados experimentos em campo. Cátia ainda não tem previsão para iniciar um doutorado, mas pretende dar continuidade ao desenvolvimento desse produto à base de eucalipto.
Mesmo destacando que na sua trajetória, desde a iniciação científica até o mestrado, as equipes nas quais atuou tiveram presença feminina expressiva, Cátia considera que algumas barreiras ainda precisam ser derrubadas.
“Nas áreas agrárias eu percebo que ainda há muita resistência nessa questão de ir ao campo, de achar que a mulher não tem força suficiente…”, comenta.
Neuza Alcântara | Foto: Adilton Venegeroles | Ag. A TARDE
Faz dois anos que Neuza Alcântara, 66 anos, está aposentada, mas a paixão pela pesquisa científica ainda não permitiu que parasse de trabalhar. Não bastassem os mestrandos e doutorandos que já estavam sob sua orientação no Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Bahia (Ufba), ela ainda aceitou um novo.
Outro motivo para continuar a carreira de professora e pesquisadora da Ufba, iniciada em 1985, é o desejo de inserir no mercado as duas vacinas que desenvolveu e patenteou nos últimos anos. Uma delas para combater a larva migrans visceral em cães e gatos e a outra para a cura de doenças alérgicas, cuja vantagem sobre as existentes é a quase extinção de efeitos adversos.
“Trabalhar na universidade fazendo pesquisa, ensinando alunos, é muito mais gratificante para mim. Me considero vitoriosa na carreira que escolhi”, declara Neuza, baiana nascida em Lençóis. Entre os destaques estão o mestrado realizado entre Salvador e Londres e o doutorado com etapa em Nova York. Em ambos, o tema foi o protozoário causador da Doença de Chagas.
Mesmo tendo começado sua carreira em um cenário de menor participação feminina, ela considera que no ambiente universitário as mulheres não costumam encontrar dificuldades de ascensão.
Na sua avaliação, o que ela não conseguiu está relacionado a sua aversão a questões administrativas e consequente recusa a ocupar chefias e coordenações. Ela ressalta que cargos de gestão são levados em conta pelo CNPQ (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) na concessão de algumas bolsas.