Aplicativo disponibilizado pelo governo estadual durante pandemia | Foto: Elói Corrêa | GovBa
Além da testagem e do isolamento social, a integração de dados coletados sobre a pandemia de coronavírus tem sido aliada do poder público na tomada de decisões para combater o avanço da doença.
Ao reunir em um só lugar e cruzar informações, como localização de contaminados, movimentação de pessoas nas ruas, ocupação e distribuição de leitos, os gestores podem definir mais facilmente se intensificam ou relaxam medidas, por exemplo.
No entanto, a falta de preparação de União, estados e municípios para lidar com processamento e análise de dados fez com que os governos, surpreendidos com a virulência e a rapidez da proliferação do coronavírus, se organizassem em uma estratégia quase de guerra para usar dados a seu favor. A falta de cultura de integração de dados no Brasil fez com que estruturas do tipo fossem montadas já com a pandemia ocorrendo, o que dificulta o trabalho das próprias autoridades.
Dois pesquisadores ouvidos por A TARDE avaliam que, na falta de ferramentas mais avançadas, o Governo do Estado e a prefeitura de Salvador precisaram buscar parcerias com outras entidades para robustecer equalificar as informações.
É o caso, por exemplo, da Rede CoVida, iniciativa do Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs/Fiocruz-Bahia) e da Universidade Federal da Bahia (Ufba), que criou um painel para monitoramento do coronavírus no país, com atualização em tempo real. A plataforma é usada, por exemplo, pela Sala de Situação de Combate à Pandemia do governo estadual. Ela ainda traz uma seção somente com dados de Salvador, devido a uma parceria da prefeitura com a rede.
“Essas parcerias vêm no vácuo dessa necessidade dos gestores, dessa falta de manejo com o dado. A importância desses grandes painéis de visualização se dá porque os governantes e as equipes das secretarias não estavam preparados para lidar com a pandemia e esse volume de dados, produzidos anteriormente de forma fragmentada”, analisa Robespierre Pita, pesquisador do Cidacs/Fiocruz.
Professor de comunicação e design na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e pesquisador do Lab404/Ufba, Daniel Marques traz um exemplo concreto de como a integração de dados pode ajudar na gestão de leitos.
“De um lado, você tem uma base de dados com os leitos de UTI disponíveis, as UPAs preparadas para diagnosticar e atender casos leves, os hospitais de campanha montados. Agora, imagina que você tem outra base de dados, que mede sintomas e a geolocalização. Você diz para um aplicativo onde está e declara seus sintomas. De um lado, tenho uma base sobre leitos disponíveis. Do outro, tenho dados geolocalizados de pessoas com graus diferentes de sintomas. Quando você cruza essas bases, você gera inteligência de que eu tenho tantas pessoas precisando de atendimento e tenho esses espaços aqui preparados para atendimento”, descreve Marques.
Inconsistências
Pita aponta, no entanto, que os dados fornecidos por prefeitura e governo da Bahia possuem algumas inconsistências, que não permitem maior precisão. Um dos problemas é que determinadas informações acabam não sendo preenchidas por quem faz o atendimento do paciente nas unidades da saúde. Faltam também dados estratificados sobre etnia para medir o impacto da pandemia na população negra, por exemplo.
Algo também apontado por Marques é a necessidade de transparência governamental no uso e divulgação dos dados para que a população tenha confiança ao usar esses aplicativos e repassar informações pessoais. Segundo o ranking Transparência Covid-19, da Open Knowledge Brasil, a Bahia aparece em 12º lugar, com nível de transparência considerado médio.
Segundo Pita, a situação da pandemia mostrou que as gestões públicas precisarão adotar outra postura em relação à inteligência de dados. Na avaliação dele, não é possível tomar ações mais efetivas neste momento, com a escalada da contaminação, mas é necessário pensar em iniciativas para o pós-Covid. “A partir de agora, esperamos o estabelecimento de uma cultura de decisões em bases de dados, e que eles sejam colhidos a partir de conceitos como cidades inteligentes, big data, inteligência artificial e até o próprio business intelligence. Se a gente não tem uma gestão que se mune desse conceito e gasta um pouquinho para ter essa gestão de dados, a gente terá problemas futuros”, analisa.
Governo e prefeitura
O governo da Bahia e a prefeitura de Salvador têm feito esforços para intensificar a integração de dados. Para decidir quais bairros sofrerão bloqueio, o prefeito ACM Neto tem recebido informações compiladas e analisadas por um grupo coordenado pelo secretário municipal de Mobilidade, Fábio Mota.
Outras secretarias colhem detalhes que vão desde a circulação de pessoas no transporte público e quantidade de casos da doença até quais cemitérios estão registrando mais enterros.
Lançados em um sistema único, os dados são cruzados por programas de computador e são capazes de mostrar onde e o porquê do avanço da pandemia em determinados locais.
“É uma iniciativa muito importante porque o gestor toma a decisão fundamentada. Se tem uma quantidade de casos muito grande, como os dados mostravam sobre a Pituba, estudamos o que poderia ser. Fomos para os mapas de aglomeração e vimos que a aglomeração estava acontecendo na orla, principalmente à noite. Decidimos, então, interditar a orla”, explica Fábio Mota.
O governo estadual tem integrado informações em uma plataforma chamada Infovis, produzida pela Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI), na qual é possível ver dados sobre ocupação de leitos de UTI, respiradores, quantidade de casos por município, índice de isolamento social, entre outros. A plataforma é aberta ao público.
Os detalhes são fornecidos pela Secretaria da Saúde do Estado da Bahia (Sesab), que coleta, através da Vigilância Epidemiológica, informações sobre a doença no estado por meio de sistemas do Ministério da Saúde. A Vigilância tem apoio da Prodeb, que criou mecanismos para tornar a atualização dos dados mais rápida.
Tecnologias
Na Bahia, as iniciativas estão relacionadas à geolocalização e monitoramento de sintomas, como o aplicativo Monitora Covid-19 e o Telecoronavírus, do governo estadual. Em Salvador, a prefeitura não adota tecnologias do tipo. Segundo a secretária estadual de Ciência e Tecnologia, Adélia Pinheiro, as informações colhidas pelas iniciativas têm ajudado a robustecer a base de dados da gestão estadual.
“As pessoas, quando baixam o aplicativo [Monitora Covid], estranham quando o app pede localização, CPF, nome de mãe. Esses dados são importantes porque permitem fazer vínculo com
prontuário eletrônico de saúde, localizar ele no espaço de diferentes municípios e, com isso, de forma anônima, com a soma de vários dados, avaliar como a epidemia está ocorrendo no território da Bahia”, diz.
O professor de comunicação e design e pesquisador Daniel Marques aponta, no entanto, uma dificuldade no acesso ao aplicativo: o fato de parte da população não ter acesso à internet. “Existe a ideia equivocada de que a população é incluída digitalmente. Faltam internet, bons celulares. Existe aí um problema estrutural que precisa ser resolvido antes de tudo. É preciso produzir a democratização desse acesso, tratar isso como direito fundamental”, avalia.
Adélia afirma que a adoção do Telecoronavírus é uma forma de suplantar essa desigualdade. Com essa ferramenta, as pessoas podem ligar gratuitamente para o número 155, descrever sintomas e receber orientação médica.