Arcebispo de Salvador, D. Sérgio da Rocha, diz que nesse tempo de pandemia “cultivar a saúde espiritual é fundamental arcebispo de Salvador e primaz do Brasil, D. Sérgio da Rocha, diz que nesse tempo de pandemia “cultivar a saúde espiritual é fundamental"
Escolhido pelo Papa Francisco para suceder D. Murilo Krieguer em março, o novo arcebispo de Salvador e primaz do Brasil, D. Sérgio da Rocha, diz que nesse tempo de pandemia “cultivar a saúde espiritual é fundamental”. De acordo com ele, “esse tem sido um momento de busca das pessoas por Deus”. “Estamos diante do drama do sofrimento humano”. E completa: “É com a luz da fé, com a força do amor de Deus que nós vamos vivendo e superando as dificuldades desse tempo”. Nessa entrevista ao jornal A TARDE, D. Sergio fala ainda sobre os desafios do Papa Francisco, que “veio recolocar a importância da simplicidade em tudo”, e fala de sua expectativa para 2021. Confira:
Como o senhor avalia a pandemia que nós vivemos hoje, D. Sérgio?
Claro que é um momento desafiador para todos. De alguma maneira todos sofremos com a pandemia, mas há quem sofre ainda mais. Os mais pobres, os enfermos, aqueles que também se colocam a serviço de enfermos que têm um papel tão bonito, mas tão exigente. Agora, inclusive tem sido ocasião para se viver a solidariedade. As próprias comunidades da Igreja aqui em Salvador estão dando dimensão à solidariedade através da partilha, sobretudo com aqueles irmãos nossos mais necessitados. E é claro que também, mesmo com as limitações do atendimento pastoral, tem se procurado também cuidar da saúde espiritual das pessoas. Porque é muito importante nesse tempo da pandemia, tão desafiador, que nós procuremos também estar espiritualmente bem, emocionalmente bem. Então cultivar a saúde espiritual é fundamental. Esse tem sido um momento de busca das pessoas por Deus. Tem sido uma ocasião para repensar o sentido da própria vida, o caminho que tem percorrido, as atitudes que tem tido. Não só quem passa mais diretamente pela COVID-19, mas nós vemos que, de um modo geral, nós somos desafiados a repensar um pouco o caminho que temos percorrido, o sentido que temos dado ao nosso indivíduo, ao nosso caminho.
O senhor falou das pessoas menos assistidas, os enfermos, moradores de rua. De que forma a Igreja tem atuado neste momento para minimizar o sofrimento dessas pessoas?
Bem, primeiramente há um nível básico de sustentação digna que as pessoas necessitam. Passamos a segurar isso sempre. Na verdade, nós temos tido interativas que já vem há mais tempo de solidariedade, de partilha, por exemplo a atenção a famílias mais pobres, a distribuição de cestas básicas, essa atenção cresceu, subiu nos inícios da pandemia, mas é algo que a Igreja procurava fazer. Porque a pandemia veio agravar ainda mais situações que já existiam de pobreza, de miséria, de falta de condições dignas de vida. É claro que ela também se tornou ocasião de solidariedade maior. No início, sobretudo da pandemia, naquele primeiro momento, houve uma atenção grande. No momento, eu creio que nós precisamos aumentar essa atenção, sobretudo agora, motivados pelo Natal que está chegando, novamente cultivar atitudes de partilha, de solidariedade, de serviço. Existem trabalhos específicos, por exemplo, o trabalho com os moradores de rua, que é um grande desafio, é um grupo de risco. Claro que o morador de rua já vivia em situação difícil antes da pandemia, agora a situação se tornou ainda mais exigente, mais grave.
Dom Sérgio, o que explica a pandemia? Como a Igreja Católica observa esse fenômeno?
Nós estamos diante do drama do sofrimento humano. Nós temos situações em que, de alguma maneira, nos colocamos como Jó, aquele personagem bíblico que sofreu e muito. O Jó sofria porque era um homem justo no meio de tantas situações difíceis, mas hoje uma primeira atitude é do Jó, que diante do sofrimento se questiona. Questiona a Deus, questiona a seus amigos, questiona a si próprio. Só que nós também diante do sofrimento, diante dessa pandemia, temos nos inspirado, e devemos nos inspirar no Bom Samaritano. A grande resposta ao sofrimento humano não é simplesmente intelectual. É claro que é importante pensar, refletir sobre as razões do sofrimento, mesmo porque existem muitas situações de sofrimento que poderiam ser evitadas, ou que ao menos podem ser suavizadas, senão superadas inteiramente. Então refletir sobre causas do sofrimento sempre tem, mas é preciso ter presente que não basta uma simples explicação do sofrimento humano. As atitudes de solidariedade, de serviço pessoal ou comunitário são fundamentais. E é claro que necessitamos de respostas maiores. Uma pandemia necessita de respostas não só das pessoas, da sociedade civil organizada, necessita de respostas da parte dos governos, das autoridades, que têm o seu papel e a sua responsabilidade. Então nós temos aqui sem dúvida questionamentos da pandemia que têm a ver com aquele Jó que se questiona, mas também do Jó que encontra em Deus a resposta última, o sentido último para sua dor. A força para superar o momento difícil. E o Jó que cede lugar ao Bom Samaritano. É preciso que o Jó que existe em nós se levante como um Bom Samaritano faz para abraçar, para estender a mão, ainda que não fisicamente, mas para estender a mão, para abraçar quem está caído, quem está mais sofrido. Então no tempo da pandemia a Igreja tem oferecido primeiramente a luz da fé. É com a luz da fé, com a força do amor de Deus que nós vamos vivendo e superando as dificuldades desse tempo.
Como superar esse momento difícil?
A Igreja tem insistido nas atitudes de caridade, de amor ao próximo, de misericórdia, de compaixão, de solidariedade. Desse modo, sem dúvida nós vamos superando esse tempo difícil. Com a fé em Deus, com a força do amor de Deus, nós vamos superando. Papa Francisco tem ressaltado, escreveu recentemente uma encíclica a respeito do amor ao próximo sem fronteiras. Não é que nós vamos fazer o bem ou querer o bem só de alguma pessoa que nos agrada. O próximo a ser amado é quem mais sofre, quem necessita de nossa atenção, seja quem for e em qualquer situação que esteja. Então sem dúvida que a pandemia mexe com a cabeça e o coração, mas nossa resposta a esses questionamentos tem a ver com a luz da fé, tem a ver com a força do amor. Em outras palavras, com a luz da fé e com a força do amor nós superamos esse tempo difícil, porque as causas disso tudo cabe à ciência buscar ao máximo possível e explicar. O certo é que nós temos tido ocasião para repensar nosso estilo de vida, para repensar a maneira como nós lidamos com a própria natureza, a maneira com que nós vivemos em sociedade. Então a própria Igreja tem nos ajudado a refletir, a rever e a aprofundar, a encontrar um jeito novo, mais coerente com a ética, mais coerente com o Evangelho, um jeito novo de viver essas relações humanas, relações sociais, as relações com a própria natureza.
Em termos religiosos, como o senhor observa a Bahia? O sincretismo aqui é real? E como o senhor vê o cenário local?
Olha, primeiramente a religiosidade no estado da Bahia, assim como no Nordeste todo, é uma marca cultural, isso é algo que já faz parte da nossa identidade. Eu tive a graça, como sabem, de atuar no Ceará, como bispo-auxiliar de Fortaleza, depois no Piauí, em Teresina. Eu fico admirado com a força da fé que move as pessoas das mais diferentes situações. E importantíssimo: todos de uma maneira sofrendo, só que existe uma maneira diferenciada de encarar o sofrimento quando é a força da fé que move. Então em todo o Nordeste isso existe. Cada estado com o seu cenário cultural religioso próprio, sem dúvidas. Não é exatamente a mesma coisa, embora o que nos une é o que prevalece, a religiosidade que dá identidade a todo o nosso Nordeste. Então independente de se estar na Bahia, ou estar em outro estado, tende a crescer o pluralismo religioso. E não depende apenas de iniciativas da Igreja, ou das Igrejas. Há também uma dinâmica social, uma dinâmica da sociedade mais complexa, mais plural, que de alguma maneira também favorece o surgimento de diversas expressões religiosas, sejam elas mais antigas, sejam elas mais novas. Porém é preciso cultivar respeito, é preciso cultivar diálogo. E, sobretudo, uma ação conjunta no campo da caridade, da justiça e da paz.
Para o senhor, a religião e política podem se misturar?
Veja, nós temos na Igreja Católica um ensinamento que tem sido de participação efetiva dos cristãos leigos e leigas na vida política, na via partidária. Então a Igreja tem incentivado na sua chamada “doutrina social” a participação efetiva dos cristãos na sociedade, na vida política. Mas a Igreja enquanto instituição não tem posição político-partidária. Volta e meia alguém tenta identificar uma posição aqui ou ali, algum pronunciamento, alguma atitude da Igreja, mas isso não existe de maneira explícita, intencional, de forma alguma. Pelo contrário, não é permitido isso. A Igreja enquanto instituição, as suas instituições não adotam uma posição político-partidária. Então nós respeitamos outras maneiras de pensar porque nem todas as Igrejas têm essa postura. Mas a postura que a Igreja Católica tem é fruto não só de reflexão, de busca de coerência com a fé, mas é fruto da sua história. Nós já tivemos outro modo de pensar no passado, mas depois, a própria Igreja avaliou que a maneira melhor, mais fiel ao Evangelho, mais frutuosa é essa, de incentivar a participação política dos cristãos. Nós respeitamos a pluralidade. Mas é preciso que as pessoas, na sua conduta política, sejam coerentes com os valores do Evangelho, sejam coerentes com os valores da própria Igreja. Se tem pessoas de outro credo, ou de outra denominação religiosa cristã, então nós podemos respeitar. Nós buscamos o bem comum, o bem do povo. Todo político está a serviço do bem comum. Não é só o político católico ou cristão. Todo político se leva a sério. A política está a serviço da construção da sociedade, uma sociedade justa, fraterna, uma sociedade que respeite a nossa Constituição Brasileira e, é claro, uma sociedade que se deixa de uma maneira se orientar pelos valores do Evangelho, pelos princípios éticos que têm o seu fundamento lá em Jesus.
Pra finalizar, que mensagem o senhor deixa para a população? O que nós podemos esperar para 2021?
Bem, nosso olhar é de esperança. A esperança não é vã, ela tem seu fundamento em Deus. Nós devemos olhar para frente primeiro na esperança de poder superar a pandemia com a força do amor de Deus. Mas também com a esperança de poder ter um jeito novo de viver. Nós temos aprendido muito nesse tempo da pandemia. Temos recordado lições como o valor do outro, como as implicações daquilo que nós fazemos na vida dos outros, nos retomamos a consciência de que somos uma grande família habitando uma casa comum, não dá para separar, não há fronteiras para o vírus, assim como não deve ter fronteiras para a família humana, para essa casa comum que é o nosso planeta, e isso traz responsabilidade. Então eu tenho esperança de que o novo ano seja novo não só por causa de uma mudança no calendário, mas que seja novo pela superação da pandemia, mas seja novo pelas lições que nós estamos aprendendo para o novo modo de viver, de tal modo que cada vez mais nós possamos construir um mundo onde o amor, a justiça, a fraternidade estejam presentes.
Dom Sérgio, eu quero agradecer demais a disponibilidade do senhor...
Eu quero agradecer de coração você, mas também agradeço ao Jornal A TARDE. Eu tenho tido a oportunidade de escrever periodicamente no Jornal, então fico muito agradecido nesse momento, e também ao Portal Muita Informação a minha gratidão. E espero que essa nossa reflexão de alguma maneira ajude os que estarão unidos a nós, seja aí pelo próprio jornal ou de outra maneira online, mas que possa nos ajudar a crescer cada vez mais com pessoas humanas e alcançar aquela felicidade que nós buscamos e desejamos para as pessoas que mais amamos. Que todos sejam muito felizes com as bençãos de Deus, que tenham a graça do Natal feliz e um novo ano com muitas bençãos.
D. Sérgio falou sobre os desafios do Papa Francisco, que “veio recolocar a importância da simplicidade em tudo”
Veja o vídeo da entrevista: