Mulheres da saúde contam suas histórias; na foto, Ceuci Nunes, diretora geral do Instituto Couto Maia
No primeiro semestre de 2020, a infectologista Ceuci Nunes, 57 anos, passou quase dois meses praticamente morando no Instituto Couto Maia (Icom) para transformar a unidade em referência no atendimento de pacientes com Covid-19. À frente de uma equipe majoritariamente feminina, a diretora do Icom se junta a outras profissionais desafiadas pela pandemia, às vésperas do Dia da Mulher, para contar um pouco do que tem vivenciado no último ano.
No instituto dirigido por Ceuci há 14 anos, 70% dos cerca de 1.400 funcionários são mulheres, um percentual maior do que a média de 65% estimada pelo Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde, nos setores públicos e privado. Formada há mais de três décadas, a médica acompanhou as pandemias de HIV e H1N1, mas está diante do maior desafio que já enfrentou na profissão.
“Nada foi tão impactante, tão avassalador quanto a Covid-19, não tem precedência”, comenta a infectologista. Ela recorda que o início do HIV também colocou todos diante do desconhecido, mas a transmissão do vírus é bem menor. Ceuci acrescenta que, mesmo um ano após o início da pandemia na Bahia, a Covid ainda surpreende.
A adaptação do instituto, que quadruplicou os leitos de UTI, começou logo após a morte do pai de Ceuci, que ela abriu mão do afastamento ao qual teria direito. “Esse luto eu não tive como viver, foi uma coisa muito dura”, desabafa. Desde então, ela teve dois momentos fora do Icom, quando teve Covid-19, assintomática, e trabalhou à distância, e os dias numa fazenda por conta de uma forte crise de cefaleia tensional, surgida após a intubação de um médico da unidade e a morte de uma enfermeira.
Tempo para si
Infectada pelo coronavírus em abril de 2020, a técnica em enfermagem Luciana Leal, 34 anos, ainda não recuperou seu condicionamento respiratório. Ela chegou a ficar 48 horas internada em observação e passou 22 dias afastada das suas atividades. “Não consigo subir a ladeira de onde eu moro da mesma forma, faço mais esforço, canso mais”.
Procurar um pneumologista para uma avaliação está nos planos de Luciana, mas não tem sobrado muito tempo para si mesma. Assim que se recuperou da doença, aproveitou o aumento na procura por profissionais da sua área e passou a trabalhar em três unidades hospitalares. Ao longo de cinco meses, mal parava em casa com o marido e os dois filhos, um menino de 15 anos e uma menina de 3 anos.
O trabalho exaustivo foi motivado pelo medo de que o marido, segurança de shopping, perdesse o emprego. Com o fechamento dos estabelecimentos no início da pandemia, ele teve as férias antecipadas e após esse período ficou em casa recebendo o salário normal (parte paga pelo governo federal). Ainda assim, Luciana só ficou tranquila quando os shoppings reabriram.
Atualmente, a técnica se divide entre dois hospitais privados, atendendo pacientes com Covid-19. Ciente do risco de reinfecção, ela afirma que redobrou os cuidados e seu maior medo é contaminar alguém da família. No entanto, se sente desanimada quando sabe de paredão em Marechal Rondon, onde mora, ou vê o dono do mercadinho permitindo o acesso de pessoas sem máscara.
Renovação
À espera de Antônio, que deve nascer no início de junho, a infectologista Clarissa Ramos, 33 anos, quer trabalhar até o último momento possível. “Estou tentando organizar minha agenda para ver se dou uma reduzida em consultório. Hospital precisa muito mais nesse momento. Vou tentar priorizar os pacientes mais graves”.
Na rotina de visitar e acompanhar os pacientes internados, a médica fica muito tempo sem beber água e muitas vezes não se alimenta adequadamente. O diagnóstico de cálculo renal, na última semana de fevereiro, foi o alerta vermelho. “É como um colega diz, a gente cuida de tantas pessoas e esquece de cuidar da gente”, pondera após cinco dias de afastamento.
Imersa na lida com a Covid-19 e nos estudos sobre a doença, ela diz que só esquece o tema quando fala da gravidez. “A cada dia que passa eu acho que foi a decisão mais certeira da minha vida”, ressalta Clarissa. Quando a pandemia teve início na Bahia, ela já tinha parado de tomar o anticoncepcional e estava preparada para engravidar.
Sem expectativa de mudanças significativas nos próximos meses, o grande desejo é conseguir vacinar seus pais até o nascimento de Antônio, para que eles possam estar juntos. Ela e o marido, que trabalha em duas emergências hospitalares, já foram vacinados.