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A Bahia revelou nos últimos três anos um crescimento de mais de 400% do quantitativo de denúncias de violência sexual infantil, 30,7% destas ligações feitas de Salvador, através do Disque 100. Embora expressivo, os números não refletem recente pesquisa realizada entre a Universidade Federal da Bahia (Ufba) e o governo do Estado, que põe a capital baiana numa esfera onde praticamente inexiste violência sexual contra menores.
Elaborado pelo Centro de Recursos Humanos da Ufba, o levantamento colheu, nos anos de 2006 e 2007, dados de 206 municípios. Perguntas enviadas aos respectivos conselhos tutelares, centros de assistência social (Cras), secretarias e polícias locais davam conta de questões como perfil do agressor e da vítima, além das ocorrências para este tipo de crime. No recorte que engloba a Região Metropolitana de Salvador (RMS), a estatística abrange apenas os municípios de Camaçari, Lauro de Freitas, Simões Filho e Madre de Deus.
Para Lúcia Pedreira, autora do estudo, a deficiência se deveu à desarticulação da Secretaria de Desenvolvimento Social do Município, que mediu esforços para elaborar um diagnóstico do problema. “O peso da RMS não apareceu na pesquisa, a exploração sexual na capital é gigantesca e não temos como dimensionar”, explica, complementando que não encontrou registros de abuso, exploração comercial ou tráfico de menores nos conselhos tutelares da capital.
O 18 de maio, Dia do Combate ao Abuso e Exploração Sexual Infanto-juvenil, tem sabor amargo na mais populosa cidade da Bahia. O Projeto Farol, criado pelo Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca) com o intuito de conscientizar professores e alunos de escolas municipais sobre a violência sexual teve orçamento – de R$ 130 mil – negado pela prefeitura. O Abrigo Sanjo, voltado para atendimento a adolescentes vítimas do tráfico de drogas para fins sexuais foi inaugurado há quase um ano, e até hoje permanece fechado.
Waldemar Oliveira, coordenador do Cedeca, critica o número de conselhos tutelares em Salvador, “ainda pequeno, pois deveria haver um para cada região”. São 14 unidades, três a menos do que o número total de regiões administrativas. “Volta e meia, estes conselhos estão fechados, quando a necessidade é justamente de fortalecer o trabalho na comunidade”, explica a expert no assunto, socióloga Marlene Vaz.
“Salvador ainda não elegeu a violência como prioridade. Mesmo sendo a capital, o Estado não tem condições de coordenar, articular as ações. Isso é papel do município, e nem mesmo a Saúde municipal trata casos de violência da forma devida. São medicados como simples machucados”, afirma Maria Eunice Kalil, médica sanitarista da Sesab e coordenadora do Fórum Comunitário de Combate à Violência. Eliel Santana, secretário da Sedes do município, preferiu não comentar as críticas “para não ser leviano”. Santana está há um mês no cargo.
Bahia – Apesar de chamar atenção para a exploração sexual em cidades do sul, como Porto Seguro, onde há maior freqüência de turistas estrangeiros, o relatório enfatiza o que chama de “turismo nacional”, observado em todas as regiões estaduais e responsável por 65,4% das queixas. O estudo pôde observar situações críticas nas marginais de rodovias federais, como a BR-101 e a BR-116, embora o chamado comércio de menores esteja relacionado a quase todo o interior. Das gestões municipais entrevisitadas, 61% disseram haver na área urbana bares e casas noturnas voltadas para a prostituição infantil.
“Há uma deficiência no próprio Disque 100. A maioria das ligações demandam abuso sexual, praticado por pais ou avós, vizinhos da família. Estes casos precisam ser denunciados, mas o outro tipo de violência sexual - que envolve o turismo, o tráfico de crianças e a prostituição propriamente dita - é denunciado pela população em menor quantidade”, avalia Lúcia Pedreira, para quem a população é mais susceptível a denunciar estupros e mais leniente para com a exploração sexual de menores, crianas e adolescentes.