A dura rotina em um canteiro de obras

Sáb , 23/12/2006 às 17:54

A dura rotina em um canteiro de obras

Clarissa Borges

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Salvador

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O trabalho é duro, quase sempre sob o sol escaldante e calor intenso comum nesta época do ano em Salvador, e acompanhado de muito barulho, nuvens de poeira e atividades de alto risco. A vida de um operário de obras, além das dificuldades, tem lá suas particularidades.

Os canteiros de obras já se incorporaram à paisagem de Salvador, depois que grandes intervenções se instalaram em alguns pontos da cidade. Quem passa por esses locais pode perceber a grande quantidade de trabalhadores nas obras do metrô, de construção do Shopping Salvador, de intervenção no tráfego na Avenida Tancredo Neves e de reforma da Orla.

José Roque Sacramento de Almeida, 21 anos, não reclama. Ele é um dos cerca de 1,2 mil rostos que suam diariamente na extensa obra do metrô de Salvador. Acostumado com a rotina, até teoriza sobre a profissão. Cada um tem que fazer bem a sua função, tomar conta só do seu serviço, filosofa.

O trabalhador que traz no currículo apenas o ensino fundamental - acorda todos os dias às 4h30 para encarar o batente às 7h30 na avenida Bonocô. É quando começa o primeiro dos três turnos no canteiro, ativo 24 horas por dia. Ele é faz parte dos 80% dos trabalhadores da construção civil que possuem apenas o primeiro grau completo, de acordo com estudo realizado pelo Dieese em 2001.

A fisionomia cansada acusa que o esforço braçal como armador de ferragens não poupa o físico do trabalhador. Apesar da pouca idade, José Roque guarda as marcas da exposição constante ao sol e da rotina dura. A fisionomia cansada e a pele mal tratada são resultado das oito horas diárias sob o forte sol.

Ele não conhece o trabalho fora da construção civil. A experiência em obras, entretanto, é só de três anos, desde que saiu de Barrocas, no interior da Bahia, em busca de melhorias. A vida pacata no interior, com poucas oportunidades de emprego, foi trocada por um trabalho árduo, jornada longa e salário de R$ 661 desde que conseguiu ascender ao cago de montador de ferragens. Antes, recebia R$ 456 mais vale-transporte e cesta básica, como os demais operários.

Mas o trabalhador tem um motivo especial para acreditar que cada um precisa cuidar de sua função para dar tudo certo. São inúmeras as tarefas em todo o canteiro, e o trabalho é semelhante ao de um formigueiro. Pedreiros, soldadores, engenheiros, serventes, técnicos de segurança e meio ambiente, enfermeiros, ajudantes, encarregados, armadores e muitos outros se misturam, cada um com uma missão especial.

Para erguer uma pilastra, é preciso que sejam observados os mínimos detalhes. Uma única armação de concreto requer o cumprimento de várias fases. E cada formiga da construção precisa carregar seu pedaço de folha, como se tratassem de armar um quebra-cabeça, para que tudo ande nos trilhos.

Em meio à construção, são os capacetes que determinam a função de cada um. Quem os observa percebe que são muitos de cor marrom os pedreiros. Os encarregados são reconhecidos pela cor branca, os técnicos de segurança estão de verde e os ajudantes de vermelho. Com seu capacete azul, José Roque trabalha atentamente na armação de mais uma tela de ferragem que servirá para alguma estrutura maior.

Apesar do risco que envolve o trabalho na construção atividade econômica com maior risco de acidentes e uma das profissões mais perigosa em todo o mundo, segundo a Organização Internacional do Trabalho - Roque diz que não teme uma fatalidade. Nem a morte do colega Jackson da Silva Mota, de 24 anos, atingido na cabeça e nas costas pela queda de um equipamento de cerca de duas toneladas no último dia 13, o assusta. A segurança nós mesmos temos que fazer, alerta.

Cuidado - Segundo dados fornecidos pelo INSS, aconteceram 339.645 acidentes em 2001. Destes, 2.557 resultaram em óbito. Nesta sexta-feira, 22, mais um acidente interrompeu a rotina dos operários das obras do metrô o quarto desde o início dos trabalhos, em 2000. Um guincho Munk desgovernado caiu sobre uma estrutura da obra, derrubando andaimes que rodeavam uma pilastra. Desta vez ninguém ficou ferido. No Brasil, em 2004, 6,22% dos acidentes de trabalho aconteceram na construção civil. Por causa da incidência, os cuidados são sempre redobrados.

Todo cuidado em um canteiro de obras ainda é pouco, chama a atenção o técnico em Segurança do Trabalho, Eduardo José Sampaio. Ele explica que, diariamente, os operários do metrô participam de uma reunião antes do serviço para discutir a segurança, é o DDS Diálogo Diário de Segurança.

Outro técnico de segurança das obras, Antônio Carlos Roeder, lembra que todos os procedimentos são cercados de cuidados exigidos por legislação específica. Os Equipamentos de Proteção Individual (EPI) como luvas, botinas, capacetes e cintos de segurança, por exemplo, devem ser certificados e cuidadosamente checados. Nós estamos sempre atentos, diz Sampaio, após verificar o rasgo na luva de um trabalhador. Precisa trocar, ordena.

No canteiro de obras da Lapa, onde está sendo construído o túnel do metrô, a rotina é ainda mais exaustiva. Os operários trabalham como se fossem mineiros. O ambiente é úmido, com pouca luz e ventilação. O barulho, concentrado, é ainda maior. Em alguns momentos do dia chega a ser ensurdecedor. As máquinas e os equipamentos utilizados pelos operários, como furadeiras e martelos, produzem ruídos estridentes, que, ficam retidos nas galerias subterrâneas. O uso de protetor auricular torna-se imprescindível até mesmo por quem apenas está de passagem pela obra.

Proteção divina - Na estrutura de concreto e ferro de forma ainda por definir, um detalhe não passa despercebido: a imagem Santa Bárbara. Padroeira dos mineiros, não há túnel que seja aberto sem sua presença. É ela que nos protege, é a nossa rainha, explica, em poucas palavras, o operário José Silva. A crença é seguida em todo o mundo. A santa está presente também nos Alpes Suíços, onde o mais longo túnel ferroviário do mundo está em construção.

Seja com a invocação da proteção divina ou auxílio de equipamentos específicos, as precauções com a segurança do trabalho estão presentes na vida dos operários como em poucas profissões. Todo trabalhador tem de fazer um curso que envolve primeiros socorros, prevenção de incêndios e acidentes e meio ambiente antes de ir para a área, explica Roeder. O mestre de obra, Djaílson Firmino Alustau, reitera: Tudo aqui é um risco e deve ser feito com o máximo cuidado.

Responsável pela liderança de 32 homens, Firmino sabe bem o quanto pode custar um descuido. São muitos homens e tem que ter atenção, principalmente com relação à descompressão, explica. Em seu setor de instalação de tubulões é preciso fazer a pressurização, como na atividade de mergulho. Tubulões são a base de pilastras de sustentação. Os operários chegam a descer até 12 metros para escavar o buraco onde será erguida a estrutura de concreto.

Relaxar mesmo, só hora da bóia. No refeitório improvisado em um container apertado, reina o silêncio. Nessa hora não há conversa que tome espaço. Os homens responsáveis por erguer o metrô devoram seus pratos, verdadeiras montanhas com camadas de arroz, feijão, farinha e carne, que é o que sustenta de verdade. A pausa para a refeição é dividida em três horários 11h, 11h30 e 12h. Enquanto isso, lá fora, o serviço não pára.

* Colaborou Tássia Novaes