A rua Portugal, no Comércio, a ladeira da Montanha e a rua de São Bento, em frente à basílica de São Sebastião, no Centro, garantem o ganha-pão de outras duas categorias de trabalhadores informais: os guardadores e lavadores de carros. Nas esquinas e calçadas de Salvador, além de comprar incontáveis tipos de mercadorias, é possível também encontrar serviços simples como a fabricação de chaves e carimbos, até medição de pressão arterial e teste para dosar o nível de glicose no sangue, por apenas R$ 1,00.
Ao ver a aproximação do veiculo da reportagem, na última sexta-feira, um guardador ofereceu uma vaga na rua Portugal. Chega aí freguês, deixo ficar na vaga da zona azul por duas horas, custa R$ 2,00. Ao perceber que se tratava de um carro da imprensa, o guardador, vestindo bermuda, boné e chinelos, não quis se identificar e pediu desculpas por estar vendendo uma vaga que, a principio, já tem dono. É a lei da rua, tem de batalhar pra ganhar a comida dos meninos, se tem vaga sobrando na zona azul e não tem fiscal, eu vendo.
A zona azul é uma das áreas de estacionamento da cidade gerenciadas pela administração municipal. Em tese, só quem deveria oferecer a vaga são os guardadores cadastrados no Sindicato dos Guardadores (Sindguarda) e reconhecidos oficialmente pela Superintendência de Engenharia de Tráfego (SET). O órgão, porém, possui apenas 700 guardadores em situação regular e calcula que pelo menos mais mil pessoas atuem clandestinamente na profissão. A título de garantir o leite das crianças alguns guardadores não-oficiais abusam da boa vontade dos motoristas e especulam no preço, cobrando entre R$ 2,00 e R$ 5,00 pela vaga.
Enquanto os guardadores disputam cada centímetro de meio-feio no Comércio, na avenida Sete de Setembro, os ambulantes ganham o freguês no gogó ou na criatividade. Aos berros, oferecem guarda-chuvas, o colar da moda, ou a bolsa da atriz da novela das oito. Uma vendedora de brinquedos, tenta empurrar uma guitarra minúscula para a mãe de um garotinho e ataca de Marisa Monte: Amor, I love you. Marrakesh perde diante da rua Coqueiro da Piedade e até cena digna de filme árabe - homens vestidos de túnica branca carregando balaios de palha na cabeça - é possível ver nas ruas do Centro. São devotos do orixá Omolu (São Lázaro no sincretismo religioso) pedindo a contribuição para a festa do terreiro.
No meio da balburdia de carros buzinando, camelôs gritando e vai-e-vem de pedestres, uma trabalhadora informal garante o complemento da renda familiar medindo a pressão arterial e fazendo testes de glicemia nos interessados em saber a quantas anda a própria saúde. Zenia Santana, 42, é auxiliar de enfermagem, mas como nunca conseguiu arrumar trabalho em hospitais ou clinicas, resolveu levar sua banquinha para a avenida Sete e funciona como uma espécie não regulamentada de agente de saúde.
Tensiometro na mão, ela recebe R$ 1,00 por cada medição de pressão ou teste de glicose. O material do teste, descartável, é vendido em qualquer farmácia e geralmente os pacientes diabéticos compram para ter em casa. Com fitas e lancetas descartáveis, o teste consiste em dar um furinho no dedo, pingar umas gotas de sangue numa fita sensível e pronto, um aparelhinho diz em minutos o nível de glicose no sangue. A agulha que espeta o dedo do paciente vai para o lixo depois do exame.
Não sou médica e ofereço um serviço simples, qualquer pessoa que saiba manipular o tensiometro pode fazer em casa. Não receito remédios e sempre mando a pessoa ir ao hospital se o exame mostra taxa de glicose elevada ou se a pressão está alta. Também não boto preço, de R$ 1,00 para cima, cada um paga o que pode. Quem não pode, não paga. Nem por isso eu deixo de medir a pressão. Antes de ser meu meio de sobrevivência, é um serviço social, justifica Zenia, mãe de três filhos e também doceira por encomenda nas horas em que não trabalha na rua.