Blocos de Carnaval são chamados a integrar força-tarefa para coibir o crime e conscientizar os foliões durante a festa
KATHERINE FUNKE
Os artistas baianos vão usar os microfones para lembrar aos foliões, de cima dos trios elétricos, que a exploração sexual de criança e adolescente é crime. Esta será uma das novidades deste ano da campanha estadual de enfrentamento ao problema lançada ontem, no Hotel Mercure, no Rio Vermelho. Os kits de abadás também terão panfletos informativos sobre o tema, e os trios, banners laterais com slogans da campanha.
À frente do trabalho, o comitê estadual formado por 50 entidades governamentais e não-governamentais para prevenir e coibir a prática. Há 14 anos, essas entidades promovem a campanha durante o Carnaval para intensificar a mobilização dos setores de turismo e transporte.
A novidade anunciada ontem, entretanto, ainda não chegou a ser proposta diretamente a todos os artistas. Eles serão contatados nos próximos dias, garante a psicóloga Karin Koshima, do Centro de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente Yves de Roussan (Cedeca), entidade que fundou a campanha.
Mas os integrantes do comitê chamaram a Associação de Produtores Artísticos (APA), como representante do setor, para o lançamento da campanha. O motivo: a entidade tem se mostrado o braço social do axé music. Promoveu o show beneficente Axé Pra Você, na Fonte Nova.
A vice-presidente da APA, Vera Lacerda, já se mostra empenhada. Com um discurso acalorado, vibrante, ela se comprometeu a levar a campanha para os principais artistas não só no Carnaval, mas durante ano inteiro. A começar pelo próprio bloco que representa, o Ara Ketu. A promessa foi feita diante de representantes dos 50 integrantes do comitê e gerou aplausos.
Estratégia A parceria com blocos e artistas do Carnaval é uma mudança de estratégia da campanha, que está na décima-quarta edição. Até o ano passado, o comitê saía na avenida com um bloco específico no primeiro dia de folia. Em 2004, chegou a ter um camarote.
Os integrantes do comitê estadual consideram um instrumento muito mais eficaz a estrutura midiática e artística dos grandes blocos para passar a mensagem durante toda a festa. Precisamos de interlocutores para essa consciência estar na avenida de forma difusa, diz o jornalista Luiz Lasserre, da ONG Cipó e membro do Conselho Estadual da Criança e do Adolescente (Cedeca).
A campanha começou em 1995, com o slogan Quem cala Consente e o lançamento de um disque-denúncia, que recebeu 3,4 mil ligações já no primeiro ano. O resultado foi repercussão nacional, com instituição de duas leis federais e duas estaduais específicas sobre o crime, também previsto no Código Penal. Dois disque-denúncias continuam à disposição.
A exploração sexual de crianças e adolescentes é uma violência que deixa traumas físicos e psicológicos. As vítimas se tornam pessoas com dificuldades de relacionamento, deixam de confiar nos outros adultos e ficam com traumas sexuais, além de baixa-estima. A avaliação é da psicóloga Karin Koshima, do Cedeca.
Campanha com os turistas
Durante o Carnaval, a exploração sexual de crianças e adolescentes aumenta por causa da presença maciça de turistas na cidade. Por causa disso, a campanha conta com apoio de representantes da Associação Brasileira da Indústria Hoteleira (Abih-BA), Rede Accor de Hotéis, Sesc/Senat, Federação das Empresas de Transporte da Bahia e Sergipe.
Nós, integrantes da cadeia produtiva do turismo, temos que estar comprometidos com esta questão, lembra Rita Bicalho, presidente da Abih-BA. Ela diz que está cobrando da rede hoteleira o cumprimento da lei estadual que proíbe os estabelecimentos de receberem crianças e adolescentes desacompanhados dos pais.
Taxistas, caminhoneiros e outros tipos de motorista têm sido sensibilizados para entender o problema e não contribuir com ele. Muitos acham natural se relacionar com uma menina que se oferece em postos de gasolina. Então, as empresas fazem palestras onde promovem reflexões sobre o assunto. Pedem que os funcionários pensem nas suas filhas, conta Maria das Graças Xavier, representante do Sesc/Senat.
Colaborou Carine Aprile
SERVIÇO
Disque-denúncia nacional: 0800 990500
Disque-denúncia local: 0800 284 5551
As ligações são gratuitas e anônimas
Procure ajuda
O Programa Sentinela oferece atendimento psicológico e assistência social gratuitamente. Funciona no mesmo espaço da Fundac, na Avenida Bonocô. Informações: 3382 1407 e 3382 3884
O Programa Viver também oferece o serviço gratuitamente para vítimas de violência sexual. Funciona no Instituto Médico-Legal Nina Rodrigues.
Informações: 3117 6700
FALA ARTISTA
Você apóia a campanha durante o Carnaval?
Margareth Menezes
Eu costumo conscientizar e informar meu público sobre temas sociais independente de qualquer campanha. É uma coisa que eu faço naturalmente e acho de extrema importância, porque é o papel do artista. Essa conscientização deve ser feita, inclusive, com os próprios adolescentes, que são atraídos e se deixam explorar em busca de dinheiro fácil, por se sentirem desvalorizados.
Gerônimo
Se eu estiver em cima do trio e perceber isso acontecendo lá embaixo, vou ser o primeiro a apontar o dedo e denunciar. Claro, tomando cuidado para não constranger a imagem da criança ou adolescente que estiver sendo vítima. Essa é uma prática antiga e a campanha não deve acontecer só durante o Carnaval, deve educar a sociedade o tempo todo.
Daniela Mercury
Participei do lançamento desta campanha há 10 anos, como embaixadora do Unicef junto com o Centro de Defesa da Criança e do Adolescente (Cedeca). Nosso papel enquanto artistas é importante, pois temos uma comunicação maior com o público. Procuro lembrar que esta exploração sexual é crime e alerto para que a sociedade fique atenta. É um assunto que afeta a todos nós, por isso deve ser denunciado.
Cláudia Leitte
Nós somos um instrumento de comunicação estrondoso. Tudo que falamos em cima do trio ecoa, porque o Carnaval da Bahia é o maior do mundo. Então, a gente pode muito bem contribuir e passar a informação para que as pessoas denunciem e não se envolvam em crimes como esses. Eu vou participar e vou dizer tudo que for necessário para conscientizar o público.