Em 20 de novembro de 2003, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou o Decreto nº 4.887. O documento veio para regulamentar os procedimentos para a titulação das terras remanescentes de quilombos. Segundo dados da Secretaria Especial de Políticas para a Promoção da Igualdade Racial (Seppir), até agora, existem pouco mais de 3.500 áreas deste tipo identificadas, mas apenas 600 processos de regularização.
Na Bahia, também de acordo com a Seppir, apenas quatro áreas de quilombo estão tituladas pelo Incra, ou seja, completaram todo o processo. Uma das inovações que o decreto trouxe foi o auto-reconhecimento. Ele considera remanescentes de comunidades quilombolas os grupos étnico-raciais que se autodefinam como tais. Mas para isto é necessário ter trajetória histórica, relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra e história de resistência.
O partido Democratas (DEM) há três anos, quando ainda se chamava Partido da Frente Liberal (PFL) entrou com uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) contra a medida. “O decreto não pode regulamentar um dispositivo constitucional”, diz o advogado Ademar Gonzaga, contratado pelo DEM para ingressar com a ação.
Já a subsecretária de Políticas para as Comunidades Tradicionais da Seppir, Givânia Maria da Silva, afirma que o decreto só veio cumprir o que manda a Constituição.
“A questão da concentração de terras no Brasil sempre provocou polêmica por parte dos setores que concentram a posse”, destaca.
O secretário estadual de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Luiz Alberto Silva, faz avaliação semelhante. “O Brasil vive um momento em que há uma grande valorização da terra com a questão do investimento em biocombustível, por exemplo, o que abre espaço para a tensão”.
Como deputado federal, Luiz Alberto foi relator do projeto de lei que tentou regulamentar o Art. 68 das Disposições Transitórias da Constituição Federal. Aprovado por deputados e senadores, o projeto foi vetado pelo presidente Fernando Henrique em 2002. Parte do que estava no projeto acabou se tornando o Decreto 4.887/03.
Para Valdélio Santos Silva, doutorando em Estudos Étnicos e Africanos, com uma pesquisa sobre quilombos da região do médio São Francisco no oeste da Bahia, falta maior conhecimento dos brasileiros sobre os quilombos.
“Existem idéias correntes incompatíveis com a própria história do Brasil”. Ele cita, por exemplo, a versão de que todos os quilombos foram identificados e destruídos pelo poder oficial brasileiro. “Existia uma multiplicidade de estratégias para se buscar viver em liberdade. Uns optavam pela organização em locais próximos às vilas e cidades. Outros se organizavam na vida rural. Não daria jamais para que o poder oficial derrotasse todas elas“, acrescenta.
Após a abolição, o Estado brasileiro não deu respostas a estas comunidades, que continuaram tocando as suas vidas. “Elas continuaram no meio rural sem que o Estado as reconhecessem”, diz.