Enquanto os gerentes de cinema comemoram, pais e psicólogos estão preocupados com a portaria 1344/2006, regulamentada pelo Ministério da Justiça, que transfere para os pais a responsabilidade de decidir a classificação dos filmes para menores de 16 anos. Publicada na última sexta-feira, no Diário Oficial da União, a portaria estabelece que os responsáveis podem levar os filhos ao cinema ou alugar um vídeo ou DVD com classificação superior à sua faixa etária.
Com o argumento de equilibrar o direito da liberdade de expressão e o dever de proteção à criança e ao adolescente, a Secretaria de Justiça não irá mais proibir e sim recomendar as produções adequadas para os jovens. Caberá aos responsáveis decidir se os filhos assistirão ou não aos filmes, que podem conter cenas de violência ou de sexo. Os filmes proibidos para menores de 18 continuam valendo.
A antiga portaria [1597/2004] já permitia o acesso dos jovens com diferença da censura de dois anos, acompanhados pelos pais. A nova admite a entrada para qualquer idade e com autorização. A decisão animou o mercado cinematográfico, porque irá aumentar o número de espectadores por sessão, de acordo com os gerentes de cinema de Salvador.
A liberação facilita a visitação dos mais jovens e isto trará benefícios para a gente, com o aumento da bilheteria. A criança de 11 anos que quiser ver um filme indicado para 16, vai poder, desde que esteja com pai, e o cliente tem mais opções, destacou o gerente do UCI Aeroclube, Carlos Eugênio.
Outro que comemora é o gerente do Multiplex Iguatemi, Jorge Teixeira. Essa decisão colabora com o segmento. Muitos adolescentes que queriam assistir a obras censuradas agora vão poder. O ministério transferiu para os pais a responsabilidade de decisão, o que é um pleito antigo da sociedade.
O psicólogo Vitor Brandão discorda. Para ele, a portaria beneficia apenas o mercado cinematográfico. Fica claro que a preocupação é estritamente mercadológica. Assistir a um determinado filme não vai mudar em nada a vida de uma criança. Além do mais, os pais não têm como definir o filme mais adequado sem ter assistido antes, argumenta.
Essa é a preocupação da funcionária pública Liliane Magalhães, 42. Mãe de Luiza Magalhães, 10, e Beatriz, 8, ela se considera apta para escolher os filmes apropriados para as filhas, mas diz que é impossível selecionar apenas pelos cartazes impressos nas salas. Eles não contêm a sinopse e posso escolher algum que contenha cenas pesadas, sem saber, destacou, ao lembrar que cenas de sexo ou violência estão fora do programa.
Elas não estão preparadas para ver histórias com romance ou agressões, por mais que estes sejam os conteúdos apresentados diariamente na televisão brasileira. Mas até as emissoras, algumas vezes, têm o cuidado de exibir cenas mais ousadas nos horários em que as crianças já estão dormindo, como a que a atriz Ana Paula Arósio ficou totalmente sem roupa, comentou.
A mãe de Andréa Souza, 10, a enfermeira Tânia Souza, 48, também está reticente com a portaria. É complicada essa responsabilidade porque nem sempre estamos conscientes de como determinado conteúdo pode influenciar nossos filhos, questiona a enfermeira. Mãe de Daniel Cerqueira, 4, a professora de filosofia Elizabete Cerqueira, 38, também tem dúvidas: Como vou saber se ele não vai querer pular de prédio em prédio igual ao super-homem?.
A psicóloga Tatiana Cruz entende a preocupação da Tânia e Elizabete. Segundo a especialista, a ação do personagem do super- homem pode parecer inofensiva, mas pode ser imitada pelos mais jovens. Eles podem achar que são capazes fazer isso também. Basta ver e achar bacana, que pode fazer o mesmo. A criança tende a seguir os passos do adulto. Por esse motivo, é fundamental oferecer uma boa educação.
O psicólogo Vitor Brandão argumenta ainda que nem todos os pais estão preparados para escolher o filme mais adequado. Para ele, até a programação da TV e internet deveriam passar por uma censura mais rigorosa e filtrar apenas conteúdo de qualidade.
Se você quer falar sobre sexo com seu filho, abra um canal de diálogo. É complicado deixar que a televisão ensine a ele. A imagem de uma cena de sexo para uma criança de nove anos é muito forte, destaca, ao lembrar: Crianças que vêem novela com certa freqüência, falam mais do que deveriam sobre namoro. Ela têm sexualidade, no sentido de sentir prazer corpóreo. Quando ela vê a imagem, passa a atribuir certas zonas de prazer, como a boca e a genitália. Não vejo isso como educação moral. O ideal é que surja espontaneamente.