O comerciante Juvenal Silva Souza, 63 anos, o “Juvená”, que atua como barraqueiro de praia em Itapuã, há 27 anos, não sabe que destino tomar daqui para a frente. Se permanece ou não com a atividade na barraca de praia que leva o seu nome, e que o tornou um dos mais conhecidos personagens do bairro.
Igual a ele, outras centenas de barraqueiros ao longo da orla marítima de Salvador também não sabem que atitude tomar ante a nova proposta de reordenamento do comércio de barracas, apresentada pela prefeitura, anteontem, na 13ª Vara da Justiça Federal. Na Praia de Itapuã, onde “Juvená” se instalou desde 1980, existem 69 barracas cadastradas pela Secretaria de Serviços Públicos de Salvador (Sesp), mas apenas 41 delas deverão permanecer no local. “Depois de tantos anos, não sei dizer como será amanhã, pois não sei que critérios serão usados na escolha de quem fica ou quem sai do ramo”, disse.
Com o novo projeto, que prevê a retirada de 229 das 495 barracas cadastradas oficialmente, a grande preocupação dos barraqueiros é saber quem permanecerá na atividade. “Se me perguntarem qual o critério eu não sei responder, pois nós, que somos a parte envolvida diretamente com o assunto sequer fomos consultados”, desabafa Wérico Rodrigues, presidente da Associação dos Barraqueiros da Orla Marítima de Salvador.
Esta quarta foi dia de tensão e expectativa na orla. No Farol da Barra, onde todas as seis barracas deverão ser retiradas, as informações eram desencontradas entre os próprios comerciantes, que ainda acreditam em uma solução negociada. Barraqueiros antigos como André Pinheiro, 30 anos, não se conforma. A família cuida da Barraca Tia Nega há 45 anos e teve a informação, no início deste ano, de que seria transferida para o calçadão, no lugar onde funcionam quatro quiosques de venda de água de coco. “Agora, a gente já não entende mais nada e estamos apreensivos com toda esta situação”, disse.
Não fala – Surpreendidos com a notícia divulgada nos jornais, os barraqueiros se reuniram nesta quarta à tarde para tentar encontrar uma forma de negociar a permanência deles pelo menos durante o verão. Uma das propostas discutidas é que eles vão tentar marcar uma audiência com o prefeito João Henrique para tratar diretamente do assunto e tentar uma solução. “Temos que levar em conta que no verão milhares de pessoas dependem do comércio nas praias para sobreviver”, disse o presidente da associação.
Wérico defende que as negociações agora sejam feitas diretamente com o prefeito. Segundo explicou, os comerciantes se sentiram marginalizados durante todo o processo que culminou com a elaboração do novo projeto de reordenamento das barracas. “Nós agora queremos saber o que o prefeito quer fazer com a orla e com aquelas famílias que dependem desta atividade”, disse.
O prefeito João Henrique, procurado nesta quarta, disse que não vai se pronunciar sobre o assunto, transferindo esta responsabilidade para a secretária do Planejamento, Kátia Carmelo, que deverá dar entrevista coletiva nesta quinta às 9h30, na Seplam, no Vale dos Barris. Entre as explicações, estão as questões sobre os critérios que serão adotados para a permanência ou não dos barraqueiros, e a questão da Praia de Ipitanga, área onde estão 42 barracas e que pela proposta da Seplam deverão sair e onde o município de Lauro de Freitas reivindica jurisdição.
Ocupação irregular – Na avaliação dos técnicos da Fundação Mário Leal Ferreira, responsáveis pela elaboração do novo projeto para a orla, a atual situação de ocupação irregular da faixa de areia da praia por barracas, “independentemente de ação judicial em curso”, induziu o poder público municipal a formular o reordenamento da atividade. O projeto apresentado tem entre seus objetivos “a valorização do patrimônio público; a garantia do acesso às praias; a manutenção da função social da cidade; a possibilidade de solução do conflito; a reversão da degradação e a valorização da paisagem e dos recursos naturais”.
O desaparecimento completo das barracas, como chegou a deliberar o juiz Carlos d´Ávila Teixeira, em abril deste ano, decisão que foi derrubada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª região, em Brasília, “implicaria na desagregação de usos e costumes e no meio de vida de considerável número de pessoas”, conforme justifica a FMLF. Na visão da equipe da fundação, vinculada à Secretaria Municipal de Planejamento e Meio Ambiente, as barracas de praias consolidou-se como uma prática “entranhada no modo de vida dos baianos, e peculiar ao cotidiano”. Entretanto, “a autorização de implantação ao longo de sucessivas administrações municipais gerou situação indesejável por excesso de equipamentos levando ao quadro de incompatibilidade entre a atividade comercial e o aspecto de preservação do meio ambiente”, admitem os técnicos.
Os estudos basearam-se em registros cartográficos da Gerência Regional do Patrimônio da União que delimitam os terrenos e acrescidos de marinha e a linha de preamar média da orla de Salvador e que definiram os trechos onde é possível colocar barracas dentro de terrenos da União, no trecho entre o Porto da Barra e a Praia de Aleluia.