Menino de cordeiro não pode e menina tem que aprender que está na idade do refri
Regininha da Bahia
Foi Geraldo, foi Geraldo que me contratou!
O garoto Marquinho* tentava explicar ao comissário de menores - um homem com colete preto e cara de quem ajuda os pobres e oprimidos - num clima de a culpa não é minha. É, pelo jeito os planos que Marquinho fez para matar um dinheirinho como cordeiro foram por água abaixo.
O garoto, menino ainda, 15 anos, saiu do Bairro da Paz, onde mora, no início da tarde de quinta na intenção de passar a noite segurando a corda do bloco Nu Outro. Na camisa amarela: 068 - cordeiro lado esquerdo - era a sua identidade carnavalesca. Foi alegre pois ia ganhar dinheiro. Pelo que Geraldo disse - contava o menino ao comissário -, por dia descolaria R$17.
Balela, pensa a repórter, pois o acordo dos blocos com os cordeiros foi o de R$14. Vixe Mainha, Ó Neguinha, tudo é tão bom, soltava o cantor sobre o trio enquanto Marquinho, acompanhado de dois comissários de menores perfurava a multidão, entre a corda e os pipocas suados e já mezzo embriagados da Barra, pouco depois da meia-noite.
Você não sabia que era proibido? - pergunto ao menino, entre cotoveladas de um ambulante de cerveja.
Ele diz que não, afinal, o tal de Geraldo não falou nada sobre 18 anos. Pouco importava, porém, aos comissários e até ao menino, quem era Geraldo. Marquinho tinha um firme propósito para estar ali.
Quero juntar dinheiro para comprar uma chuteira boa para treinar. Eu quero ser jogador de futebol. Um homem, que me viu jogar na rua, disse que eu sou bom pra isso e disse que vai me levar pra treinar fora...por isso quando eu soube por amigos que tinha isso aqui eu quis.
Um dos comissários dá uma risada de canto de boca. Já ali na Marques de Leão, em frente ao posto do Juizado, improvisado numa sala de cartório, gringos dançam a música Diga que Valeu, do Chicletão, tocando num DVD de barraquinha de Kapeta (com K mesmo). Marquinho continua dissertando sobre seu sonho futebolístico até o momento de sentar em frente ao chefe do posto, Saulo de Tarsio - um moreno alto e forte de fala educada e sorriso bonito.
A sala bem iluminada e fechada deixava o ruído do Carnaval abafado. Já posicionada ali na cadeira ao lado da que colocaram Marquinho, uma garota com o abadá transformado em top do bloco Trimix, puxado pelo Rapazolla, short jeans e cara de preocupação aguardava a chegada dos pais.
Bebi e dizem que não podia, conta a menina de 16 anos.
O chefe moreno de belo sorriso explica que brincar em bloco, só acompanhada ou com autorização dos pais. Álcool nem pensar. A menina faz cara de paisagem. Marquinho, quieto, começa a explicar a história de Geraldo. Dez minutos depois chegam os pais da garota, visivelmente aborrecidos com o cansativo deslocamento até o barulhento e suarento circuito do Carnaval. Lá fora, o libidinoso pagode da Saiddy Bamba tomava conta da rua, sacudindo os hormônios e corpos de todas as idades na avenida.
* nome fictício em obediência ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)