Andressa Vitória tem apenas um mês de idade e já vive a rotina de mulheres que cometeram crimes graves, de homicídios a tráfico de drogas. Mora com as detentas na ala feminina da Penitenciária Lemos Brito, no bairro da Mata Escura, em Salvador.
Filha da presidiária Bethânia Pereira dos Santos, dorme em uma cama de solteiro com a mãe e ficará no local até os seis meses, tempo mínimo previsto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para que filho e mãe permaneçam juntos. Até lá, a recém-nascida será obrigada a dividir a cela de fiações expostas e paredes sujas com mais três presas, das 223 que habitam a unidade.
A situação vivida por Vitória, que não pode ser separada da genitora durante o período de amamentação, conforme prevê a Constituição Federal, não é um caso isolado no complexo. Vinte crianças, em média, nascem por ano nas dependências da Lemos Brito.
Todas passam pelo mesmo problema: não possuem assistência pediátrica dentro das unidades, são submetidas ao código aplicado às detentas e têm a liberdade cerceada enquanto estão sob os muros da detenção. Elas ainda dormem com outras presas no mesmo quarto e estão sujeitas a contaminações por causa da falta de higiene no local.
O descaso com as crianças, entretanto, não limita-se apenas à Bahia. Nos demais estados brasileiros, bebês vivem a mesma rotina das mães nas penitenciárias por falta de estrutura física, segundo estudo realizado por Rosângela Peixoto Santa Rita, coordenadora de apoio ao ensino do Departamento Penitenciário Nacional, do Ministério da Justiça.
A rotina dos recém-nascidos é alterada nos presídios porque eles necessitam de itens básicos para uma boa saúde física e mental, avalia a pediatra Luciana Seixas. Berço, lençóis, roupas e fraldas limpas, local adequado para o banho, banhos de sol em horários apropriados são tão importantes quanto um ambiente de paz e harmonia para contribuir na sua formação psíquica, afirma a especialista.
Os ambientes pequenos, pouco arejados e bastante populosos das cadeias não oferecem condições para um tratamento adequado aos bebês, explica Luciana. Do ponto de vista imunológico, para uma criança de até seis meses de vida, cujo calendário vacinal não está completo e suas defesas ainda não estão totalmente desenvolvidas, é possível afirmar que os presídios oferecem riscos à saúde da criança.
Além dos riscos à saúde, a vida no cárcere pode ainda trazer danos psicológicos às crianças, diz o psicólogo Cacio Romualdo da Silva. A percepção do presídio como um lugar de extrema violência física e social é do adulto e não da criança. Mas em função dos perigos nesses locais, a criança pode estabelecer uma relação de tensão e insegurança nesse espaço ao longo do tempo. Principalmente se ela viver um acontecimento como uma rebelião.
Lei não é cumprida - O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê a existência de berçários e creches em áreas exclusivas de cada unidade, mas a realidade nas prisões do país ainda está distante do texto do regulamento. A pesquisa do Ministério da Justiça conclui que não há estrutura adequada às necessidades específicas da população carcerária feminina, que cresceu 24% de 2001 a 2006, 3% a mais que os homens.
Diferente dos detentos, as mulheres necessitam de estrutura capaz de oferecer berçários e creches para seus filhos. A intenção é dar condições para a convivência de forma mais tranqüila ao lado das crianças, longe das celas protegidas por grades e habitadas por outras presas.
São poucos os presídios que prestam auxílio psicológico às mulheres, separadas dos filhos depois de extrapolado o tempo de permanência das crianças, determinado por cada Estado. O período varia de três meses a seis anos e, depois, as crianças ficam sob a responsabilidade dos familiares ou são abrigadas em creches.
A presa Ana Cristina de Jesus, 24, já passou pela angústia de ter o bebê afastado quando ele completou seis meses. Apesar de a diretoria da Lemos Brito afirmar que há uma psicóloga, a presa diz não ter recebido auxilio psicológico. Quando ele foi embora fiquei desesperada. Não comia, não dormia, conta a mulher, que ainda irá cumprir mais dois anos de pena.
Em Salvador, uma creche, bancada por uma instituição italiana, funciona dentro do Complexo, para diminuir a distancia entre as mães. As crianças vão para lá e visitam as mães duas vezes ao mês, conforme explicou a diretora da Penitenciária Feminina da cidade, Silvana Maria Selem Gonçalves. A Creche não pertence à penitenciária, mas ajuda bastante porque mantém, de qualquer forma, o vínculo materno.
Sobra projeto e falta recurso - Existe a intenção de vários órgãos para mudar o quadro, mas ainda faltam projetos concretos. Enquanto isso, os presídios continuam sendo locais inapropriados para a criação de bebês. Elisabete Pereira, diretora da Secretaria Especial de Direitos Humanos, da Presidência da República, revela que a entidade trabalha para que parte dos R$ 10 milhões do Fundo Penitenciário Nacional seja direcionada às necessidades das detentas.
"A idéia é construir instalações adequadas para as crianças e as mães nos presídios. Está prevista, ainda, a reforma de presídios femininos para adaptá-los. Todo o dinheiro do Fundo é aplicado nos presídios masculinos. Não existe nenhuma cota para as mulheres, critica, ao lembrar que o repasse, entretanto, fica sob a responsabilidade dos Estados.
São os governos estaduais que decidem a forma como será aplicada a verba. Poucas vezes, no entanto, a divisão atende aos homens e mulheres igualitariamente. Na realidade, poucos Estados têm cumprido a tarefa de forma adequada. Há um disparate entre a lei e a realidade prisional voltada ao encarceramento feminino no país, critica Rosângela Santa Rita.
O descaso com as mulheres reflete o despreparo da justiça no Brasil, avalia o professor de sociologia da Faculdade de Ciência e Tecnologia (FTC), Caio César Aguiar. Para ele, a mulher assumiu papéis masculinos em vários segmentos, inclusive no mundo da criminalidade. São as mulheres, por exemplo, que ajudam os companheiros nos assaltos e nos negócios que envolvem o tráfico de entorpecentes.
Há alguns anos os crimes eram tipicamente masculinos. Hoje é diferente e a conseqüência é o aumento da população carcerária feminina. Porém, a realidade político-jurídica do país ainda não se atentou para tal fenômeno, gerando esse descompasso, avalia.
Na Bahia, ainda não foi definido se haverá um repasse específico para as alas femininas. Existe a vontade, como afirmou o superintendente de assuntos penais do Estado, o tenente coronel José Francisco Leite, mas ainda não existem projetos específicos. Por enquanto não temos nada definido, mas a nossa intenção é que este seja o ano da mulher presa na Bahia, destaca Leite.