Aos 98 anos, a mãe de Caetano e Bethânia organizou o cortejo de baianas da tradicional festa de Santo Amaro
MARY WEINSTEIN
Até agora (9h30) está tudo bem, e eu acho que vai ficar melhor ainda porque o povo está muito animado, diz dona Canô, sentada em uma poltrona na sala de sua casa. Já chegaram as baianas do Acupe (de Santo Amaro). Eu aprecio como elas se vestem bonito. Eu conheço todas, mas não distingo os nomes, diz dona Canô, sobre as baianas que vão passando pelo corredor.
Há muitos anos, ela superou o status de mãe de Caetano e Bethânia, para ser chamada de matriarca de Santo Amaro, nos alto-falantes das festas da cidade. Ontem, aos 98 anos, depois de organizar o cortejo, ela foi andando até a igreja matriz de Nossa Senhora da Purificação, no meio das baianas, para fazer a lavagem que, todos os anos, atrai foliões de várias cidades do Recôncavo.
Desde 4 anos, dona Canô acompanha a procissão que termina nas escadarias e no adro da igreja. Mamãe não gostava que eu fosse, mas minha mãe de leite, Conceição, me levava, diz.
Em relação à porta da casa, sempre aberta, dona Canô explica que quem toma conta é Nossa Senhora. Está entregue. Quem quiser entrar com má intenção, não entra, diz. O movimento vai aumentando e o trânsito começa a ficar engarrafado dentro de casa, com uma fila de baianas devidamente paramentadas seguindo em direção ao quintal.
Gosto de ver a alegria dessas criaturas que têm fé em Nossa Senhora, a alegria de ver o povo brincando. É um Carnaval diferente. E eu faço parte, né?, diz dona Canô que vestiu a camisa feita pela comissão organizadora da festa, e não a que Bethânia trouxe e distribuiu para muita gente. Se eu não vestir a da comissão podem dizer que eu não dei preferência, observa.
COMPROMISSO Bethânia aparece, senta no braço da poltrona para tirar retrato junto com a mãe. Diz que está comovida, que vem todos os anos, e que só faltou quando foi fazer show em outro lugar. É eterno, disse Bethânia referindo-se ao compromisso de sempre vir para a Festa de Santo Amaro. E depois, se anima e rebola com a sambadeira Nicinha de Santo Amaro.
Às 10 horas, o cortejo começa a ser puxado por uma carroça há 30 anos por Antônio César, o Índio. Das janelas de casa, Terezinha Mutti, de 70 anos, Clemilda Mutti, 91, e Aurelina Emetéria da Costa, 81, assistem, como fazem desde que nasceram.
O cheiro de angélica vai se espalhando e sendo confundido com o de alfazema que sai de frascos de todos os tipos. E dona Canô, no meio da multidão, sendo escoltada pelos amigos, até chegar no adro da igreja onde José Raimundo, o Pai Pote do Ilê Axé Ojô Nirê, derrama água de cheiro de uma quartinha sobre a sua cabeça e faz sua reza a orixá Nilá.
A essa altura, as baianas com as saias rendadas, ojás e panos-da-costa já dominaram o adro da igreja para em seguida sair pelas ruas da cidade. O ritual é rápido e cheio de empurra-empurra. À tarde, a folia prossegue com a chegada de grupos de pagode e samba e de uma multidão maior ainda.