Em uma sala com mesas, cadeiras, giz de cera, massa de modelar, brinquedos educativos e livros de histórias infantis, o pequeno Luís Andrade, de 7 anos, ouve atento às orientações da professora. Às vezes é difícil, mas gosto de aprender, conta, tímido. O garoto integra a turma de educação infantil da Escola Hospitalar Criança Viva e está internado no Grupo de Apoio à Criança com Câncer (GACC), onde passa por tratamento de uma leucemia linfóide aguda, desde junho de 2005.
Ananda Silva também faz parte da turma e enumera motivos que a fazem freqüentar o espaço. Aqui aprendo a ler, escrever. Também posso fazer desenho e brincar. É melhor do que ficar no quarto, trancada, diz. A garota já teve alta e retorna ao GACC a cada seis meses para fazer exames de rotina. Sempre que volta, faz questão de freqüentar as aulas.
Inserida no GACC desde 2005, a escola hospitalar assegura as crianças como Lucas e Ananda a garantia de continuar estudando. Os pais das crianças internadas comemoram a iniciativa. A mãe de Luís, Arlete Gouveia Pires, de 30 anos, destaca a importância do programa. Meu filho não pode perder o interesse pelos livros. Quando ele receber alta, vai voltar para o colégio, afirma.
Quem também está satisfeita é a mãe de Ananda, Mariana Conceição, de 28 anos. Além de assegurar o estudo da filha dentro da unidade em Salvador, ela conta que o conteúdo é aproveitado no colégio em que a menina estuda, no município de Capim Grosso. É bom porque ela adianta os estudos. Já passou para a primeira série e com o que aprende aqui, se desenvolve mais, acredita.
Aliás, o que não falta aos alunos da turma de educação infantil é o interesse pelos estudos, segundo comentou a pedagoga Cátia Maria Souza, que trabalha há 13 anos com educação infantil e passou a integrar a equipe da Escola Criança Viva neste ano.É bom perceber o empenho deles em aprender. Os problemas com a saúde são menores do que o desejo de estar aqui, conta.
Outras três professoras atuam no GAAC em turmas de ensino fundamental 1 (com alunos de 7 a 10 anos), ensino fundamental 2 (alunos com idade a partir de 11 anos) e alfabetização de pais e acompanhantes. As aulas, planejadas de acordo com as necessidades específicas dos alunos-pacientes, seguem o calendário da rede municipal de ensino e são ministradas de segunda a quinta-feira, das 8h às 11h30 (turno matutino) e das 13h30 às 17h (turno vespertino).
Com o programa, o aluno sai da escola hospitalar e têm condição de acompanhar o conteúdo que é trabalhado em outro colégio, afirma a coordenadora do Escola Hospitalar Criança Viva, a psicopedagoga Veruska Andrade. Ela explica que, como o programa é validado pelo Ministério da Educação (MEC), o estudo dos alunos-pacientes durante o tempo de internação é aproveitado em outras escolas.
Caráter Social- Além da preocupação com a atividade escolar, o programa auxilia no tratamento dos jovens, como destaca o presidente do GACC, Roberto Sá Menezes. A ocupação do tempo dos pacientes com outras atividades é importante para o tratamento, que dura em média dois anos, com intervalos entre os procedimentos. A escola faz com que as crianças se desliguem um pouco mais da doença, conta.
O trabalho realizado pela escola hospitalar é importante ainda para manutenção do vínculo social dos pacientes, como explica o sociólogo Caio César Aguiar. Para ele, é preciso criar dentro dos hospitais os instrumentos socializadores, já que as crianças são afastadas dos seus ciclos normais de convivência social. É nas escolas que as crianças estabelecem relações sociais, conhecem outras pessoas. Além disso, adquirem conhecimentos e competências necessários para a vida social, explica.
A escola possibilita ainda que os professores trabalhem para melhorar a auto-estima dos alunos-pacientes, diz o sociólogo. Aguiar acrescenta que as crianças internalizam outros valores importantes, além do conteúdo programático, quando estão na sala de aula. A escola trabalha no sentido de alimentar positivamente a auto-estima da criançada, fazendo-os ver que suas limitações não são razões necessárias de exclusão e de discriminação.
A influência da atividade escolar sobre a auto-estima dos alunos-pacientes também é destacada pela oncologista pediátrica Flávia Nogueira. Segundo ela, o lado emocional do paciente melhora quando ele deixa de vivenciar apenas a rotina hospitalar, com exames e procedimentos médicos. Quanto mais atividades o paciente puder fazer, melhor o emocional dele vai ficar. No caso da escola, a atividade oferece divertimento com o conhecimento. Isso é melhor ainda, avalia.
Em sala de aula, os meninos e meninas da turma de educação infantil, com idade entre dois e seis anos, desenvolvem atividades motoras, como trabalhos artísticos, recortes de revistas e músicas. Como a maioria deles é vinda do interior baiano, as experiências vividas nas cidades onde moram também são aproveitadas. A importância da troca de experiência de vida e a superação de limites impostos pelas doenças, como o afastamento do convívio social, são destacados pelo psicólogo Cácio Romualdo da Silva.
Os pacientes saem na maioria das vezes do interior, têm a vida paralisada e perdem vínculos com a família. A idéia é que a criança não pode parar por causa da doença. A escola funciona como um instrumento para afastar o paciente desse sofrimento e reaviva as teias sociais que seriam feitas fora do ambiente hospitalar, explica.
Programa - Além dos quatro grupos de escolaridade que existem no GACC, a Escola Hospitalar Criança Viva oferece ainda aulas para pacientes impossibilitados de locomoção, submetidos a tratamentos como quimioterapia, hemódialise, ortopedia e queimados.
Trabalhado há 12 anos pela psicopedagoga Veruska Andrade, o método de ensino do programa Escola Viva foi implantado há nove anos em hospitais de Salvador, em parceria com a Secretaria Municipal de Educação (Smec).
Além do GACC, outras nove unidades hospitalares da capital baiana contam com o programa: Hospital Couto Maia, Hospital Roberto Santos (unidade de nefrologia pediátrica); Martagão Gesteira, Hosannah de Oliveira, Hospital das Clínicas, Hospital Santa Isabel (Unidade de Cardiopatia Santa Rosa e Unidade de Onco Hematologia Pediátrica Erick Loeff), Grupo de Apoio à Criança com Câncer, Casa de Apoio à Criança Cardiopata e Casa de Saúde Erik Loeff.
Nos últimos dois anos Veruska conseguiu ampliar o trabalho com o apoio das secretarias municipal e estadual de Educação. A mais nova conquista é a inclusão de professores de licenciatura para os alunos de 5ª a 8ª série. A partir de abril, eles vão ministrar aulas de disciplinas como português, inglês, geografia, história, matemática, química e física.
Agora teremos uma escola regular estruturada dentro do contexto hospitalar e domiciliar. Nossa próxima meta é conseguir professores de educação física e música, revela a coordenadora do programa.