Dezesseis anos depois de concluir os estudos de soldado da PM, I.H.M., 39 anos, jamais voltou à academia para uma requalificação, exceto para “poucas aulas de tiro”. O soldado lembra ter passado por uma série de exames físicos e psicológicos naquela época. Mas, 16 anos depois, muito mudou.
“Evito ir à rua. A PM diz que dá cursos, mas a realidade é mais cruel. Eu, pelo menos, nunca voltei para fazer reavaliação alguma”, afirma o policial, visivelmente desmotivado. O soldado pediu o anonimato, temendo ser alvo de represália da corporação. A informação passada pelo soldado foi confirmada por outros três colegas, alguns deles nunca tiveram uma única aula sobre direitos humanos, por ter concluído o curso há décadas.
O coronel José Gonzaga Batista da Silva, comandante do Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças, admitiu que são priorizados os cursos de reciclagem dados aos militares de grupos especiais: “Nós fizemos um curso, recentemente, mas priorizamos os policiais que atuam nas abordagens”.
De acordo com o coronel, na grade curricular do curso de aperfeiçoamento, há disciplinas como relações humanas, interpessoais, auto-conhecimento, inteligência emocional, além de direitos humanos.
Cursos – Entidades de defesa dos direitos humanos já realizam ações para criar alternativas de qualificação dos militares. É o caso do Juspopuli, entidade que trabalha em comunidades de baixa renda como mediadora de conflitos. Preocupada com os casos de violência policial, a entidade já convidou militares a participarem de reuniões e cursos de mediadores populares. “Alguns representantes da polícia participaram dos nossos trabalhos, interessados em ações sociais junto às comunidades”, explicou a coordenadora, Simone Amorim.
O advogado Valdemar Oliveira, do Centro de Defesa da Criança e do Adolescentes Yves de Roussan (Cedeca), tem experiência de cursos de direitos humanos para policiais. “Os grupos que atendemos tem perfil diferente do geral, porque são policiais que têm interesse e nos procuram, querem mudar, aprender”, explicou.
De acordo com Oliveira, a principal dificuldade neste trabalho é a falta de apoio da Estado: “Querem que captemos os recursos para a realização do curso. Nós temos profissionais, mas precisamos trazer algumas pessoas de fora que são remuneradas. Eles não querem ajudar financeiramente”.
Oliveira informou que o curso acontece uma vez por ano e só tem vagas para 60 policiais: “Eles se tornam reprodutores daquele conhecimento”. O advogado opinou que a questão dos direitos humanos está sendo “mal tratada” nos cursos de formação profissional dos soldados e sargentos, apenas entre nove meses e um ano sendo capacitados. “Os policiais militares continuam embrutecidos”, lamentou ele.
O coordenador do Cedeca diz ter catalogado até casos de pessoas que têm posicionamento voltado aos direitos humanos, mas que, ao ingressarem em corporações policiais, se transformam. “Investidos de poder, de arma em punho, se tornam pessoas violentas. A verdade é que a academia não forma”. Valdemar Oliveira se disse “preocupado” também com “a falta de reciclagem contínua para os integrantes da Polícia Militar”.