Demitido pelo governador Jaques Wagner, que acatou a resolução do Conselho Superior do Procuradoria do Estado da Bahia, o procurador Francisco Borges afirma que a Comissão Processante conduziu a investigação contra ele de maneira ilegal. “Eu fui descobrindo ao largo do andamento do processo, que efetivamente que a Comissão queria mais do que aquilo que tinha sido objeto da portaria que instaurou a investigação“. Em duas entrevistas realizadas em sua casa, Borges negou todas as acusações impostas contra eles, e que teriam sido comprovados segundo resolução do Conselho Superior. “Eles criaram um link entre fatos passados, uma ponte para os fatos denunciados pelo Ministério Público Federal, para provar o meu suposto conluio com os empresários”.
Numa decisão inédita, o Conselho Superior da Procuradoria Geral do Estado da Bahia (PGE) decidiu pela demissão do procurador Francisco Borges. Ele é acusado de agir no interesse de empresas envolvidas num suposto esquema de fraudes em licitações, desmontado pela Operação Jaleco Branco, em novembro de 2007. O governador Jaques Wagner acatou a decisão e o demitiu na semna passada. Borges afirma ser inocente, e vai recorrer à Justiça para manter-se no cargo.
O que senhor tem a dizer sobre as acusações que pesam contra o senhor?
Francisco Borges – Eu sou inocente, apesar desta expressão tenha hoje perdido muito do seu valor. Em face da própria degradação ética, vista e ouvida, toda hora na mídia, a qual extrapola, na medida em que face dessas circunstâncias que estão acontecendo passa a presumir que todo mundo é culpado. A presunção é de inocência e não de culpabilidade. Seja pela necessidade de resgaste que a sociedade hoje tem já que vê dia a dia aviltada a sua cidadania, ou seja pelo estado policialesco em que vivemos. Mas eu sou inocente. Tanto sou inocente que se você olhar os autos, você vai ver que a própria operação policial deflagrada se limitou a me investigar de maneira oblíqua. Ou seja eu não sofri nenhum monitoramento direto, não fui grampeado. Fui investigado por um período aproximadamente dois meses de modo tangencial. A própria Comissão de Processo Administrativo Disciplinar claramente disser que “a esta altura não haveria a possibilidade, quer no inquérito, quer na ação penal, quer no processo administrativo”, de se afirmar que eu tinha praticado ou era responsável por quaisquer das condutas pelas quais eu fui denunciado. Não é uma afirmação minha este estado de inocência, é uma afirmação de quem me processou.
Mas a Comissão Processante votou pela sua condenação.
FB – Quando o Processo foi aberto segundo os termos da Portaria (publicada no no Diário Oficial do Estado da Bahia) para apuração dos fatos que tinham sido objeto de denúncia do Ministério Público Federal. A Comissão não agiu assim, ela foi além. Ela passou a investigar mais de 21 de histórico profissional do procurador Francisco Borges. Toda a minha história dentro da instituição. O que, aliás, tinha sido um pedido inicial meu ao procurador-geral do Estado. Entretanto, apesar deste pedido feito por mim, o Conselho e o procurador-geral optaram por lavrar uma portaria restringindo o objeto do processo, eu tinha que me defender do objeto do processo, e o fiz. Tanto que a Comissão chegou à conclusão da minha inocência por estes fatos. Quanto aos outros fatos deste largo histórico de 21 anos, eu fui ao largo do andamento do processo, eu fui descobrindo que efetivamente que a Comissão queria mais do que aquilo que tinha sido objeto da Portaria. Tanto que eu alertei à Comissão que seria a hipótese de sobrestar o processo e abrir uma sindicância onde com maior desenvoltura ou presos a números de provas ou de testemunhas, etc. A Comissão não aceitou. Fiz um segundo pedido: Como o Código de Processo Penal se aplica subsdiriamente ao processo administrativo disciplinar, que Comissão me conferisse o direito de usar cinco testemunhas por fato e não as cinco únicas testemunhas que o Estatuto Civil do Estado da Bahia preconiza como sendo possível em casos tais. Mais uma vez o pedido foi negado. Tentei uma terceira alternativa através do meu advogado de que Comissão delimitasse o objeto da acusação ao que responderam que estaria à denúncia, o que não aconteceu. Foi portanto uma surpresa para mim quando eu descobrir no relatório da Comissão que pareceres que eu havia proferido no ano de 2004, e observe que já estão prescritos, nós estamos nos anos de 2010 – a prescrição da administração pública se opera em cinco anos – pareceres que eu proferi no ano de 2004 foram utilizados como motivo para que a Comissão encontrasse e delimitasse em mim uma conduta antiética. Eles criaram um link entre fatos passados, uma ponte para os fatos denunciados pelo Ministério Público Federal, para provar o meu suposto conluio com os empresários, alguns dos quais eu disse na Polícia Federal, na Procuradoria Geral do Estado, são assim meus amigos, e eu não tenho vergonha disso.
Numa entrevista anterior, o senhor disse que não teve amplo direito de defesa.
O processo administrativo foi inquisitorial. Eu não posso ter dito amplo direito de defesa se a Comissão opinou pela minha inocência em face daquilo que foi objeto da denúncia, e investigou 21 anos de vida profissional e não me deu oportunidade formal de defesa destes outros atos, estes também investigados. Foi um processo com um viés técnico absolutamente equivocado. Esta afirmação é da Procuradoria Especializada de Combate a Atos de Improbidade e o do conselheiro revisor do Conselho. A Comissão não me fez perguntas a respeito destes outros fatos. O que houve foi um desvio do objeto do processo. Eu pedi que, assim que fosse inocentado dos fatos denunciados originalmente, a abertura de sindicância, para investigar os fatos que foram objetos da minha condenação e que eu não pude me defender.
Estes pareceres a que o senhor se referiu não foram objetos de investigação da Polícia Federal?
FB – Não. Tanto que sequer foram noticiados. Eu percebi que a Comissão está pretendendo que esta busca no meu histórico encontrar qualquer link, uma circunstância anética no meu procedimento funcional para arranjar então um motivo condenatório. Fizeram errado. Porque quando eu oficiei particularmente num processo destes (caso FTC-Secretaria de Meio Ambiente), eu o fiz levando conhecimento aos meus superiores hierárquicos e isto está registrado no testemunho deles. E me manifestei porque estava diretamente ligado ao gabinete do secretário época e havia a necessidade imperiosa de fazê-lo por motivos legais. A Comissão, visto que reconheceu a minha inocência na denúncia original, procurou encontrar meias verdades para produzir uma verdade. Eu disse em uma carta ao procurador geral, que se abjurou da denúncia e por consequentemente do objeto do processo disciplinar ao largo da instrução processual em realidade tão incontroversa que a própria Comissão reconhece sustentando a ausência de provas sobre tais fatos. Desta realidade só pode extrair que atropelaram o Direito para aplicar a lei. Neste processo, especificamente, não se acusa improbidade, e não se acusa corrupção, não se acusa advocacia administrativa, não se acusa crime algum, acusa-se uma conduta antiética. Eu continuei dizendo ao procurador geral o seguinte: se está impedido de suspeitar de oficiar em um processo por conta de uma amizade com uma pessoa apenas estatutariamente ligado ao estado por uma empresa, que no caso não havia tido contratação, me parece de rigor excessivo ou na pior das hipóteses que não encontraria o único precedente na história da nossa respeitável instituição. E isso explico, os procuradores exponenciais são advogados. Só tem impedimento se requerer dedicação exclusiva, eu não tinha dedicação exclusiva. Se eu oficiar num processo por conta de ter amizade, de ter um conhecimento social, ter uma circunstância anética, feche-se as portas da procuradoria para seus maiores expoentes, ainda mais um estado como a Bahia que não é Nova York, nem São Paulo, que todo mundo se conhece. Esta amizade que foi causadora “da falta de ética”, não foi descoberta pela Procuradoria, foi por mim revelada, e não descoberta, foi por mim, formalmente à minha chefia. A minha chefia soube por mim e por tais razões buscava não distribuir processos tais a minha pessoa. Este processo especificamente foi designado a mim pelo gabinete do então Secretario de Meio Ambiente, e eu levei o processo está aqui e mostrei a minha chefia e que avocá-lo. Eu oficiei porque o secretário tem prazo, e terminou por perdê-lo, por morosidade da Procuradoria, mais uma vez. Eu sabia do que se tratava o processo. Se estes homens, investigados pela Polícia Federal, estavam sendo monitorados desde 2005, porque nunca se flagrou uma conversa deles comigo? Mais, uma conversa deles, entre si, falando, por exemplo: “Fique tranquilo, eu já falei com Francisco Borges?”. Porque nunca houve uma única linha? Como é que se pode jogar a vida de um homem fora, o histórico de 20 anos de um pai de família fora por uma investigação oblíqua por um mês. E seus pares que investigam 21 anos de uma vida, e não ensejam o direito ao contraditório, ao amplo direito de defesa. O Secretário Meio Ambiente deporia a meu favor. Estes empresários testemunhariam a meu favor, a minha chefia testemunharia a respeito do mérito do meu parecer.
O senhor está reiterando que não pôde defender-se de todas acusações do processo?
FB – Nem com testemunhas nem com documentos. Enquanto eu estive por noves anos na Procuradoria de Licitações, eu abjurei dos clientes. Fui para atividade de docência. Eu pergunto porque estes clientes me procuraram quando eu estava fora do órgão e não porque eu estava?. Uma das ilações decorro de fato de que em 2007, eu estava produzindo uma PPP para alguns clientes num contrato referente ao ano de 2006, quando eu estava na Procuradoria de Licitações, este cliente, que não fazia parte do processo, me dize que o seguinte.
Há a acusação, comprovada segundo o Conselho Superior, de que o senhor agiu dentro da PGE em favor de interesses da Organização Bahia, empresa ligada a Marcelo Guimarães?
O processo em questão teve vigência durante todo o período que estive na Procuradoria de Licitações, sem que eu tivesse tocado nele. Oficiaram nele os procuradores Flávia Bezerra, Maria Angélica Rodrigues, Patricia Lisboa e Paulo Moreno. Pergunte-lhes se alguma vez conversei com qualquer deles ou disse que a cor do papel era amarela e não branca? Conversei com o procurador Paulo Borba, que era meu amigo. Conversei com ele após Marcelo Almeida me consultar. Ele era meu cliente desde 2006, não era parte no processo, mas dele necessitava para concluir o seu distrato com Guimarães. Ele me solicitou para ver o que estava acontecendo, já que o processo tinha recebido outro número e não tinha conclusão. Se isto é assegurar, agir concretamente, como explicar o resultado? Nenhum pagamento foi feito à empresa.
E em relação às acusações de favorecimento a uma empresa de Clemilton Rezende?
Este processo arrastava na administração entre 2005 e 2006 e, o que é pior, sem contrato escrito. O que é crime! Este fato, aliado a outros, ensejou a ‘via crúcis’ dos autos, e o empresário me formulou consultas como advogado, não há qualquer impedimento legal. Ele me questionou, casualmente, com agente público a razão de tanta demora, além do seu medo particular em não receber, em face de ausência do contrato escrito. Tranqüilizei-o alegando que a lei impediria esta ação estatal, era meu dever como jurista, e lhe solicitei o número para ver o que estava acontecendo. A Administração tinha misturado esse processo com outro, havia discordância de pareceres entre Paulo Borba e outro colega, e o processo se arrastando sem que o Estado se quitasse, embora exigisse o seu cumprimento. Telefonei para Doutora Leyla, minha contemporânea de faculdade, depois para Paulo Borba. Solicitei a possibilidade de serem agilizadas as diligências processuais independente de resultado. Isto está comprovado em depoimentos dos dois procuradores. Se nesta atitude se compreende assegurar, agir concretamente, praticar e comprometer-se como ficam esses depoimentos? Onde estão os cúmplices necessários?
E sobre a questão da minuta?
Sem mencionar o número do processo em epígrafe, o Conselho da Procuradoria, por sua relatora, afirma que o fato foi objeto de falta funcional. Não indica este documento e muito menos demonstra nos autos onde eu solicitei esta pseudo vantagem e qual seria ela. É asim que se condena? Equivale dizer o seguinte: eu matei alguém, não se sabe quem, como, nem onde. Apenas matei. Estes autos permaneceram entre idas e vindas da PGE à Secretaria de origem e desta à PGE entre 2005 e 2007. Entre 2005 e 2006, eu pertencia à Procuradoria de Licitações e Contratos, sem que eu tivesse oficiado neste processo. A ponto da procuradora Maria Amélia Garcez registrar o fato. Ela procuradora que cuidou do exame do pedido de correção monetária e juros desde 08 de agosto de 2005 Pergunte-lhe se alguma vez conversei com ela ou disse-lhe que a cor do papel era amarela e não branca?
As investigações da Polícia Federal apontam que o senhor teria recebido um carro de Clemilton para agilizar processos dentro da PGE.
Foi um pedido de Clemilton para que tentasse conseguir para ele um carro, com financiamento sem taxa de retorno. Ele sabia que era advogado de uma empresa automotiva. Consultei algumas pessoas. Só que o cadastro dele estava sujo. Então eu liguei para ele e disse que não poderia viabilizar esta negociação. Como é que a Polícia Federal pode inferir que esta negociação era de um carro para mim? Eu tenho cara de idiota de conseguir receber de suborno carro financiado de uma empresa que já tinha sido denunciada?
São rotineiros pedidos de agilização de processos entre procuradores?
A própria Comissão em seu relatório diz pedidos desinteressados entre colegas de agilização são normais. Eu quero crer que seja em qualquer situação tanto no público como no privado.
O senhor não vê um impedimento ético nesta atitude?
Qual o impedimento ético de você pedir o cumprimento da lei?