Discriminação no emprego
Manoel Jorge e Silva Neto
Não é novidade alguma afirmar que o Brasil convive, há décadas, com insuportáveis índices de desemprego.
Além de determinar insidioso crescimento da informalidade no contexto das relações de trabalho, o desemprego produz conveniente reserva estratégica de mão-de-obra, que, por sua vez, termina consolidando a idéia de que são abençoados aqueles trabalhadores admitidos com vínculo formal pelas empresas.
E essa circunstância provoca ainda estado de sujeição absoluta do trabalhador às exigências empresariais no momento da admissão, implicando invariavelmente em práticas discriminatórias ilegítimas. Raça, sexo, cor, idade, origem, naturalidade, traço estético, opção sexual, deficiência física, mental ou sensorial; pouco importa o critério escolhido para discriminar.
O que se observa a cada dia, e com grande intensidade, é que as empresas não estão buscando apenas trabalhadores aptos ao exercício das funções no estabelecimento, mas sim seres iluminados e especiais que estão dispostos, inclusive, a renunciar à própria individualidade em prol do desenvolvimento da atividade empresarial.
É por tal razão que merece registro a realização do Fórum Internacional de Direitos Humanos e Direito Social, nos dias 25 a 27 de agosto de 2005, no Hotel Pestana, organizado pela Associação dos Magistrados Trabalhistas da 5ªRegião, Tribunal Regional do Trabalho da 5ªRegião, Ministério Público do Trabalho, Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho e Escola Judicial do TRT da 5ª Região.
Com evidência, embora se afirme de modo generalizado como é reprovável, desumana, criminosa e indigna a discriminação ilegítima, os fatos indicam que o preconceito é uma realidade muito presente nas relações de trabalho. Por exemplo, a sociedade brasileira, que tece loas, com desfaçatez, à sua democracia racial, não concretiza a tolerância à diversidade.
Basta um rápido exame do que acontece nas empresas. Seja no momento da admissão, seja para promover empregados, encontra-se, com infeliz habitualidade, a adoção de critérios francamente discriminatórios e ilegítimos.
A Constituição de 1988 inclui dentre os objetivos fundamentais do Estado brasileiro promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, IV). Infelizmente, a Constituição não tem servido de parâmetro para balizar o comportamento da esmagadora maioria dos empresários brasileiros.
Discriminar o portador de deficiência, negros, índios, mulheres, idosos, homossexuais e até aqueles trabalhadores que optam por um traço estético peculiar cabelos longos, barba, cavanhaque, tatuagem, piercing tem se convertido em prática mais constante do que podemos supor à primeira vista. O mesmo se diga a respeito dos trabalhadores que optam por determinado segmento religioso e são discriminados por isso.
Não são poucas, portanto, as denúncias sobre discriminação investigadas pelo Ministério Público do Trabalho e também reduzidas não são as hipóteses em que a Justiça do Trabalho é chamada para solucionar o problema.
Mas a saída para o problema da discriminação no emprego não se encontra exclusivamente no recurso ao Poder Judiciário, se bem que a publicidade que decorre das ações judiciais tem saudável efeito pedagógico, impedindo-se que outras empresas incorram na mesma conduta. A solução para as práticas discriminatórias empresariais passa necessariamente pela mudança da cultura quanto à diversidade. É necessário fazer com que as pessoas, dentro da empresa e fora dela, admitam a diversidade.
E os portadores de deficiência são destinatários preferenciais do triste preconceito que prepondera no País. Não raro, afirmam os empresários que a sua atividade é especialíssima, razão suficiente para vedar ao portador de deficiência física, mental ou sensorial um posto de trabalho na empresa. E quando resolvem contratar, escolhem portadores de deficiência auditiva leve, que, de acordo com o Decreto nº 5.296/04, não mais podem ser assim considerados.
E até mesmo o percentual previsto na Lei nº 8.213/91 é escancaradamente escamoteado quando as unidades empresariais, com o estranho apoio de autoridades administrativas, fazem incidir o número de contratações não sobre o total de empregados da empresa, mas tão-só parte deles.
Mas, como dito, há só uma, e apenas uma solução para o problema da discriminação no emprego no Brasil: a mudança da cultura empresarial que não virá isolada, mas como reflexo da generalizada tolerância à diversidade. E como cultura não é, está sendo é processo , a esperança viva é que tenhamos um País menos arrogante e mais solidário.
Manoel Jorge e Silva Neto é procurador do Ministério Público do Trabalho, professor adjunto de direito constitucional na Ufba, doutor e mestre em direito constitucional pela PUC/SP.