População carente do bairro vê surgir novos empreendimentos e teme ter de deixar o local onde vive há décadas
EDER LUIS SANTANA
Marluce Santos, 23 anos, foi morar no Edifício Imperial, na Ladeira do Taboão, quando tinha apenas 1 ano de vida. Hoje, ao observar o filho de 9 meses ensaiar os primeiros passos, segura firme em sua mão para evitar que se machuque em algumas das armadilhas do imóvel antigo.
Pedaços de parede caindo, buracos no chão, ratos e baratas por todos os lados. Pessoas como Marluce se amontoam dentro de prédios e casarões e sequer sabem o que significa o tão divulgado termo: revitalização.
O último levantamento, feito em 2003 pela Companhia de Desenvolvimento Urbano (Conder), identificou 488 pessoas morando em situação de risco no trecho do Pilar até o Taboão. A previsão é que nos próximos 18 meses seja finalizada a primeira etapa da revitalização, que inclui o término das obras de infra-estrutura, como a melhoria do asfalto, aumento no número de estacionamentos, revisão e ampliação do saneamento, duplicação da iluminação pública e reordenamento dos ambulantes.
De acordo com o coordenador-geral do Escritório de Revitalização do Comércio, Marcos Cidreira, desde 2003 a prefeitura desembolsou R$ 15 milhões. Somente na recuperação da Avenida da França foram gastos R$ 6 milhões. O problema é que, enquanto as obras acontecem nas avenidas principais, como a Contorno e a França, nas ruas internas, como Taboão e Julião, a população sofre dentro dos imóveis com risco iminente de desabar. Para eles, a revitalização nunca chegou.
Projetos de restauração dos imóveis acumulam poeira, enquanto não há liberação de recursos para execução de obras. Na Conder, desde 2002 começaram a ser desenhados planos de habitação na área, porém somente agora uma intervenção concreta acontece no Pilar.
Ouvi falar de revitalização, mas não sei explicar direito, comenta Marluce Santos, enquanto senta na escada em ruínas para amamentar o filho. Morando no 3º andar, ela divide o espaço com a irmã, o cunhado e dois sobrinhos. Desde que o menino nasceu, teve de abandonar o trabalho de trançadeira no Pelourinho e passa os dias dentro do edifício.
Na geladeira, não há sinal de comida. Apenas algumas garrafas de água. Daqui a algumas semanas, sua situação tende a piorar, pois a irmã decidiu juntar dinheiro e alugar uma casa no bairro da Saúde. Só não passo necessidade porque sei me virar, diz. No mesmo prédio, a situação de pobreza atinge outras famílias que sobrevivem nos pequenos cômodos improvisados em seis andares. São mais de 20 crianças brincando o dia todo nessas escadas perigosas, assinala Marluce.
ERRO O equívoco em processos como o do Comércio é achar que, trazendo investidores e realizando algumas obras de infra-estrutura, pode-se reaquecer a movimentação financeira e, depois, buscar meios de ajudar a comunidade de baixa renda. Grande erro.
Segundo o professor titular de planejamento urbano, Heliodório Sampaio, é preciso estruturar ações de requalificação da comunidade a fim de que as pessoas possam interagir com o bairro.
Também diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Ufba, Sampaio alerta para o risco de acontecer no Comércio o mesmo processo excludente do Pelourinho, onde parte da população acabou expulsa para dar lugar ao novo Centro Histórico, feito sob medida para agradar aos turistas. As pessoas têm de ser treinadas e educadas. Assim, sua mão-de-obra pode ser utilizada nas vagas que surgirem, comenta.
Diante da ausência de ações concretas nesse sentido, o termo revitalização é impróprio. Na verdade, só é possível revitalizar uma região quando a mesma possui nenhuma ou pouca representatividade. O que nunca foi o caso do Comércio. Aconteceu, na verdade, a chegada de novos empresários, e o poder público cumprindo nada mais que sua obrigação ficou mais atento às questões de iluminação pública, limpeza e segurança.
Perfil da população deve ser analisado
Para a revitalização acontecer de forma concreta, são necessárias análises sobre o perfil da população local, em sintonia com medidas de melhoria em todos os segmentos sociais, como explica a arquiteta Regina Luz, que acompanha o contrato de repasse de recursos para execução do Plano de Requalificação Urbana do Pilar Taboão. Tenho receio de que o Comércio se transforme em um pedaço da cidade onde não há espaço para os pobres, assinala.
Outro fator preocupante para Regina é a ausência de metas para o futuro do bairro. Não existem ações previstas para os próximos anos. É tudo feito para o hoje, completa, ao lembrar que essas metas foram eficazes em países como Portugal. No Centro Velho, em Lisboa, a revitalização trouxe de volta a vida cultural do bairro, em harmonia com o ramo empresarial, turístico e sem esquecer da população.
A secretária da Associação de Moradores da Gamboa de Baixo, Ana Cristina Caminho, conta que não há sinal de inserção da comunidade nas mudanças do Comércio. A entidade buscou diálogo com a prefeitura, mas não obteve retorno. Até agora, essa tal revitalização não representou nada, disse. A última obra de urbanização no bairro acontece em 1995, nas obras do Viver Melhor, promovido pelo governo do Estado.
NEGAÇÃO O coordenador-geral do Escritório de Revitalização do Comércio, Marcos Cidreira, garante que a comunidade não será esquecida durante a tentativa de retomar a importância econômica do bairro. A melhoria da infra-estrutura das ruas com maior concentração de pobreza está prevista para ser feita dentro dos 18 meses, porém a retirada das pessoas dos imóveis antigos faz parte da segunda etapa da revitalização, com prazo de até três anos para ser concluída.
Cidreira garante que a idéia é tornar o bairro novamente atraente, mas sem desrespeitar as pessoas que vivem há décadas por lá. Teremos um shopping a céu aberto, com toda estrutura necessária. Uma rede de lojas e atrativos para os clientes, comentou. Como as obras de infra-estrutura envolvem diversas secretarias municipais, desde o início deste mês os trabalhos são centralizados em uma unidade batizada de Master Plan (Planejamento Geral de Requalificação Urbana da Zona do Bairro do Comércio).
O consultor da Master Plan, Raimundo Paiva, garante que um mapeamento vem sendo feito para analisar a capacidade estrutural do bairro. Esse trabalho inclui uma contagem dos residentes nos imóveis antigos. Será mensurado também o potencial do recebimento de energia e água. Vamos ajustar os dados e dar início a mais obras. Queremos uma ocupação ordenada, disse.
Entretanto, nos órgãos municipais ainda não foi definido um cronograma de ação. Na Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes), foram tomadas medidas para retirar apenas os moradores de rua e levá-los a abrigos e casas de pernoite. A estimativa da secretaria é que seis pessoas continuem vivendo pelas ruas do Comércio. Não se pode confundi-los com pedintes que ficam pela área, mas têm onde morar, lembra Joceval Rodrigues, assessor da Sedes.
Saiba mais
O QUE JÁ FOI FEITO
Adoção de incentivos fiscais para empresários se instalarem no local
Reintegração do Plano do Pilar mais de R$ 2 milhões
Reinauguração do Forte São Marcelo mais de R$ 2 milhões
Pintura do Mercado Modelo
Recuperação da Avenida da França R$ 6 milhões
O QUE FALTA FAZER
Depois do Plano Pilar ter sido entregue ontem, começam os trabalhos de estrutura no Taboão, Julião e Montanha
Conclusão das obras da Via Portuária
Implantação do call center do BB
Nova agência da CEF
Criação do pólo audiovisual, no Trapiche Barnabé, onde serão produzidos filmes independentes
Implantação da 16ª Companhia Independente da PM, com 300 homens
Relocação das sedes das secretarias municipais da Saúde e da Educação
Padronização dos ambulantes, que irão ser organizados de acordo com a rua onde atuam