Chances de desenvolver pressão alta são 13 vezes superiores para quem está com excesso de peso, afirma estudo
Fabiana Mascarenhas
Há aqueles que acham lindo ver uma criança gordinha, mas é fato que meninos rechonchudos, há bastante tempo, não são mais sinônimo de crianças saudáveis, como costumavam achar os nossos avós. A obesidade infantil é, inclusive, um dos problemas que mais influenciam no aparecimento de outras patologias como diabetes, desordens ortopédicas, disfunções respiratórias, distúrbios psicossociais e, mais recentemente, a hipertensão arterial.
O distúrbio, até então mais comum em adultos, tem aparecido já na infância e o excesso de peso é um dos principais fatores de risco para o surgimento da doença. Isso é o que mostra um estudo realizado por pesquisadores da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs) com 701 estudantes de escolas públicas e privadas com idade entre cinco e nove anos.
O objetivo do trabalho, concluído em 2003, foi identificar a influência dos fatores biológicos e ambientais no desenvolvimento da doença.
Os pesquisadores constataram que a prevalência de hipertensão arterial entre os escolares avaliados foi de 3,6% e que ela estava diretamente relacionada à obesidade. Ao analisarem as variáveis de sobrepeso e obesidade, as prevalências encontradas foram de 9,1% e 4,3% de crianças com pressão alta, respectivamente.
De acordo com a coordenadora do estudo, a endocrinologista Ana Mayra de Oliveira, as chances de uma criança com obesidade desenvolver a doença foi 13 vezes superior a de uma com o peso normal. A pesquisa constatou ainda que a prevalência de sobrepeso é mais elevada nos estudantes da rede particular de ensino.
Os resultados mostram que a prevalência de sobrepeso é maior que o dobro em alunos matriculados na rede de ensino privado (13,4%) quando comparados aos da rede de ensino público (6,5%) e de obesidade quase o triplo (7% x 2,7%).
Na avaliação da endocrinologista, o aumento exagerado do consumo de alimentos ricos em gordura e com alto valor calórico, associados ao excessivo sedentarismo e a mudança no estilo de vida das pessoas são as principais causas para o crescimento da doença.
As preferências alimentares das crianças, assim como as atividades físicas, são práticas influenciadas diretamente pelos hábitos dos pais, que persistem freqüentemente na vida adulta. Apesar da informação genética constituir-se em uma causa suficiente para determinar sobrepeso e obesidade, os fatores ambientais são decisivos na manutenção ou não do peso saudável, diz Ana Mayra.
A endocrinologista chama a atenção para a importância de mudanças no estilo de vida para prevenção e tratamento da obesidade e doenças correlatas. A hipertensão arterial infantil é uma patologia com alta morbidade e importante antecessor da doença na vida adulta. Por isso, são fundamentais o seu diagnóstico precoce e a prevenção nas primeiras etapas de vida, afirma.
Dieta complementa a atividade física
O professor de Educação Física, Maurício Maltez Ribeiro, pesquisou o tema em seu mestrado e doutorado - apresentado em 2005 na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) - e concluiu que a prática de exercícios físicos, aliada a uma dieta de baixas calorias, ajuda não só a reduzir o peso, mas diminui a pressão arterial e aumenta a capacidade cardivascular de crianças obesas.
O estudo envolveu 39 crianças, entre 8 e 11 anos, caracterizadas como obesas, segundo o índice de massa corporal (IMC), que é o peso dividido pela altura ao quadrado. Elas foram divididas em dois grupos. No primeiro, 18 crianças se submeteram apenas a uma dieta.
No outro, composto por 21 crianças, além do controle alimentar havia também a prática de atividades físicas. Elas se exercitaram três vezes por semana, 1hora por dia, na Associação Atlética Acadêmica Oswaldo Cruz, da FMUSP.
Antes, as crianças passaram por testes de avaliação física para medir a capacidade funcional máxima para a realização das atividades. Com base nesse teste, nós as encaminhávamos para as atividades mais adequadas, de acordo com a capacidade de cada uma, explica Maltez.
Nos dois grupos houve uma perda de 10% a 20% do peso total, mas a diminuição da pressão arterial e a melhora na capacidade física só aconteceram nas crianças que se exercitaram.
Ambulatório oferece atendimento gratuito
Os hábitos alimentares baseados no fast food, salgadinhos e guloseimas e as extensas horas em frente a TV e do vídeo game estão fazendo da obesidade infantil um dos principais problemas de saúde pública. De acordo com a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia, nos últimos 20 anos, a obesidade infantil triplicou. Hoje quase 15% das crianças brasileiras têm excesso de peso e 5% são obesas.
Atualmente, temos crianças com colesterol e triglicerídios altos, e hipertensas. Crianças de 7 anos de idade já são portadoras de diabetes tipo 2, que, há até bem pouco tempo, só costumava se manifestar em pessoas com mais de 40 anos, alerta a endocrinologista, Tereza Arruti, responsável pelo serviço de obesidade do Centro de Referência Estadual para Assistência ao Diabetes e Endocrinologia (Cedeba).
De acordo com Arruti, a prevenção da obesidade é o melhor método de emagrecimento e ela deve começar desde a gestação da mãe. Engordar muito durante a gestação, favorece o desenvolvimento do tecido adiposo, de gordura, do bebê. Os comportamentos alimentares são facilmente condicionados por quem as alimenta e educa.
Os pais têm que acostumar seus filhos a se alimentarem bem desde a infância, afirma, lembrando que se a criança consumir muitas células gordurosas, será mais difícil de ser magra quando adulta.
O Ambulatório de Obesidade Infantil do Hospital das Clínicas possui atualmente 105 pacientes. O tratamento gratuito é realizado com uma equipe multidisciplinar - formada por um pediatra, nutricionista, terapeuta ocupacional e psicóloga. De acordo com a coordenadora do Ambulatório, a nutricionista Efigênia Leite, há casos de bebês de sete meses até pré-adolescentes de 14 anos. Informações podem ser obtidas pelos telefones 3331-2027 e 3339-6295.
A situação da obesidade no Brasil é muito preocupante. Não temos mais vagas para pacientes novos até o final de maio, informa Efigênia. Segundo ela, as pessoas costumam achar que o tratamento é rigoroso e está idéia acaba fazendo com que muitas deixem de procurar um médico.
Nós não trabalhamos com proibição, mas com reeducação alimentar. As pessoas podem mudar seus hábitos alimentares sem abrir mão de comer coisas gostosas, diz, acrescentando que, na maioria dos casos, os pais estão mais preocupados com a questão estética do que a saúde do filho.
A afirmação é ratificada pela psicóloga Roberta Couto. Segundo ela, há uma falta de percepção dos pais em relação ao que, de fato, está causando a obesidade. O excesso de peso pode estar relacionado a alguma frustração, a própria ausência dos pais ou conflitos familiares.
Muitos não percebem que, em função do excesso de peso, a criança acaba se retraíndo e começam a se sentir excluídas do convívio social. É preciso estar atento e buscar ajuda, alerta.