Ainda não se definiu quando e para onde serão transferidos os 520 internos da Casa de Saúde Ana Nery e do Sanatório Bahia
CLÁUDIA OLIVEIRA
Qual será o destino dos pacientes da Casa de Saúde Ana Nery e do Sanatório Bahia? A resposta a esta pergunta motivou o Ministério Público do Estado, por meio da Promotoria da Cidadania, a convocar uma reunião com representantes da Serviço Médico-Cirúrgico, proprietários dos hospitais psiquiátricos e secretarias Municipal e Estadual da Saúde para a próxima sexta-feira, às 9 horas.
Os dois hospitais têm 520 pacientes que, de acordo com o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado entre essas instituições, devem ser transferidos dos hospitais até o próximo 30 de abril.
Até agora, nem os órgãos oficiais definiram, de fato, o destino dos pacientes. Uma comissão formada por 12 profissionais, entre psiquiatras, psicólogos e assistentes sociais, está visitando 240 internos do Sanatório Bahia e os 280 pacientes da Casa de Saúde Ana Nery para analisar para onde eles poderão ser encaminhados.
A equipe está sendo coordenada por um grupo de trabalho que envolve dois representantes do Ministério da Saúde, dois da Secretaria Municipal da Saúde e dois da Secretaria Estadual da Saúde, encarregados de implementar a desospitalização.
O coordenador do grupo de trabalho, Paulo Gabrielli, disse que a equipe multidisciplinar está fazendo o levantamento do histórico de vida dos pacientes, analisando quadros clínicos, dentre outros detalhes, para definir para onde eles serão encaminhados. A informação de que os pacientes seriam transferidos para a Colônia Lopes Rodrigues, em Feira de Santana, chegou ao conhecimento da Promotoria da Cidadania, mas Paulo Gabrielli disse que essa possibilidade está descartada.
Uma das alternativas viabilizadas para a transferência dos internos são as residências terapêuticas que estão sendo instaladas pela Secretaria Municipal da Saúde. A locação, mobiliário e toda a infra-estrutura necessária para que eles sejam acolhidos nessas residências estão sendo providenciados, segundo a coordenadora de Assistência à Saúde Mental do Município, Célia Rocha.
A princípio, serão instaladas dez residências terapêuticas, que podem abrigar entre seis e oito pacientes. A prioridade é para os cerca de 80 moradores antigos do Ana Nery, Sanatório Bahia e Juliano Moreira que perderam o vínculo familiar. Célia Rocha explica que profissionais serão contratados para trabalhar com a clientela, dentre os quais terapeutas ocupacionais.
Existe a coisa mais importante, que é a vontade política da Secretaria Municipal da Saúde de tocar isso de forma efetiva. É um trabalho muito grande estar formando uma rede que o município não tinha, afirmou Célia.
Convívio familiar Outra possibilidade estudada é que os pacientes voltem ao convívio familiar e recebam acompanhamento profissional por meio dos centros de assistência psicossocial (Caps).
O município conta com três Caps (Oswaldo Camargo, Aristides Novis e Professor Adilson Sampaio) e o Estado mantém outros quatro em Salvador: Centro de Referência de Atenção ao Idoso (Creasi), o Caps I-Infantil, na Liberdade, o de Álcool e Drogas, em Pernambués, e o de Águas Claras. No Estado, já são 65 unidades, com a previsão de implantar mais de 100 até o final do ano.
A expectativa é que, até junho próximo, mais 13 Caps sejam implantados em Salvador. Há pessoas no hospital que podem ir para o regime extra-hospitalar. Nós sabemos que dessas 460 que têm família, muitas podem ser atendidas nos Caps que serão implantados. As 12 pessoas que estão fazendo a avaliação irão analisar caso a caso, disse o coordenador de Saúde Mental do Estado, Paulo Gabrielli.
Os casos em que houver a necessidade de internação também serão analisados. A Coordenação de Saúde Mental informa que entre 70 e 80 novos leitos serão criados nos hospitais Juliano Moreira, Mário Leal e das clínicas para abrigar essa clientela.
O que nós estamos propondo é um novo modelo de assistência de saúde mental. Que o atendimento seja extra-hospitalar, ressaltou Gabrielli.
Termo causa polêmica
O Termo de Ajustamento de Conduta assinado entre o Serviço Médico-Cirúrgico e as secretarias Municipal e Estadual da Saúde, cujo cumprimento vai ser discutido na reunião promovida pela Promotoria da Cidadania do Ministério Público Estadual, está causando polêmica.
A liberação de R$ 627 mil por parte da Secretaria da Saúde do Estado e do Ministério da Saúde para a Sociedade Médico-Cirúrgica, de maneira a evitar que a Casa de Saúde Ana Nery e o Sanatório Bahia fechassem sem que a rede substitutiva fosse implantada na cidade, motivou uma representação do Conselho Federal de Psicologia junto ao Ministério Público Estadual.
O conselho solicita esclarecimentos sobre o acordo financeiro previsto no TAC que beneficiou ou hospitais. Queremos saber a origem dos eventuais recursos e os instrumentos legais que o fundamentaram.
Percebemos a possibilidade de que a transferência de recursos se revele conflituosa com a legislação do SUS, comentou Marcos Vinícius, vice-presidente do Conselho e que faz parte do Movimento Antimanicomial.
A perspectiva do conselho é que o MPE reveja os critérios do TAC. Segundo Marcos Vinícius, a Promotoria de Cidadania foi envolvida na pressão dos hospitais. Esse acordo cria um precedente perigoso, porque toda vez que os proprietários quiserem receber um recurso fora do contrato do SUS, eles promovem uma chantagem social. A chantagem é: ou dá o dinheiro ou coloca o povo na rua, acrescentou Marcos Vinícius.
O diretor da Sociedade Médico-Cirúrgica, José Augusto Andrade, disse que o descredenciamento do SUS está mantido. A ação na Justiça movida com esse objetivo, no entanto, foi suspensa temporariamente até que os novos serviços extra-hospitalares sejam instalados no município e os pacientes sejam transferidos no prazo previsto no TAC. Andrade não descartou a possibilidade de o TAC ser renovado e os hospitais serem beneficiados com novos recursos.
Andrade contestou a acusação de chantagem. A luta antimanicomial tem o direito de dizer o que quer. Agora, chantagem não existe. O que existe é um cuidado com o paciente internado. O processo é criterioso, cauteloso e com total transparência e acompanhamento do Ministério Público, salientou.
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