Acadêmicos analisam como o religioso tornou-se objeto da curiosidade alheia e ganhou status de celebridade nacional
CLEIDIANA RAMOS
Desde o último dia 6, quando as suas imagens vestindo fantasia, usando maquiagem e dançando nas missas ganharam a mídia, principalmente as TVs e jornais, o padre José Pinto, pároco da Lapinha, transformou-se num fenômeno, ou melhor, o que se acostumou a chamar de celebridade.
Há duas semanas ele é assunto nas rodas de conversa na cidade. Só no site de busca Google existem 471 mil páginas com referências às suas polêmicas apresentações. Na comunidade de relacionamentos chamada Orkut foram formados 22 grupos, nos quais o sacerdote é o tema em questão, como o Bênção padre Pinto, que tem 317 membros ou o Padre Pinto para presidente com 67 associados. Jornais e sites de notícias de todas as regiões do País fizeram referências ao padre e a suas apresentações. Mas o que elas trouxeram de tão fascinante?
A doutora em comunicação e cultura contemporânea pela Ufba Malu Fontes avalia que o fascínio por padre Pinto envolve a tendência da mídia em usar a notícia como ponto de partida para o espetáculo. Cada vez mais a mídia tem apostado na espetacularização do mundo. O fato é apenas o pano de fundo, analisa Malu Fontes.
Segundo ela, a fantasia e a maquiagem que ocuparam um lugar de destaque na performance do religioso são outros ingredientes que contribuíram para atrair a avidez midiática. A Igreja Católica tem tomado posições que vão na contramão de como a sociedade tem encarado questões como o homossexualismo, na medida em que proíbe homossexuais em seus seminários. Continua a ser contra o uso dos preservativos e aí de repente aparece um de seus padres usando fantasias, maquiagem e dançando de uma forma exacerbada. É uma imagem destoante e, portanto, fascinante, acrescenta.
Situação escapou do controle
O doutor em antropologia e professor da Ufba Roberto Albergaria diz que o padre Pinto foi protagonista de um ato corajoso, mas também perigoso, pois a situação escapou do seu controle. O fato é que o acontecido na modesta Igreja da Lapinha mudou de significado na medida em que tudo virou uma espécie de monstruoso evento midiático, completa.
Para o professor, ao que se assistiu na TV dá uma dimensão reduzida de um contexto muito mais amplo, como o dia-a-dia da paróquia da Lapinha, que há 30 anos convive com a irreverência do seu pároco.
Do lado de cá das telas das TVs, ficamos só com aquele pacotinho de imagens e sons, completamente isolados do ambiente festivo local. E o rosto risonho e familiar do bom padre Pinto dos paroquianos da Lapinha passou a ser percebido como uma figura estranha, ridícula até, chocando a família baiana, como diriam os sisudos puristas, avalia.
Sadoc: É tudo surpreendente
Afirmando que é a primeira vez que presencia um padre provocar tanta polêmica, o vigário-geral para o clero na Arquidiocese de Salvador, monsenhor Gaspar Sadoc, diz que ainda é cedo para uma análise profunda sobre o caso.
É tudo muito surpreendente e não podemos esquecer que há um ser humano envolvido. Qualquer um de nós está sujeito a cometer um erro, um único que seja, completa destacando que do ponto de vista da liturgia, que é a ação de celebrar da Igreja, inclusive com suas normas e ritos, padre Pinto cometeu equívocos.
Mas salienta que isso não pode ofuscar o trabalho que ele prestou à Igreja nos seus 33 anos de atividade paroquial. Não vamos esquecer dos seus serviços generosos de evangelização, apenas pelo que aconteceu em minutos. Conheço padre Pinto há mais de 30 anos, acompanhei a evolução do seu trabalho na Lapinha. Nós, homens, até podemos julgar os fatos, mas não as pessoas, acrescenta.
Em sua opinião, após todo esse período de turbulência, padre Pinto vai perceber onde e como errou.
O que pode acontecer ao padre
Em relação à avaliação litúrgica, não há dúvidas de que padre Pinto cometeu erros. O principal foi ter feito inovações no ritual de celebração da missa como destacou o cardeal arcebispo de Salvador, dom Geraldo Majella, em entrevista concedida a A TARDE no último dia 11. Ele esclareceu que esse tipo de modificação envolve estudo aprofundado e autorização das autoridades eclesiásticas indicadas para tal, mas não entrou em detalhes sobre punição.
Um teólogo, que prefere não se identificar, diz que, do ponto de vista do que aconteceu, padre Pinto não cometeu erros morais, o que exigiria maior rigor punitivo. Em sua avaliação, o deslize litúrgico pode provocar uma advertência verbal da autoridade eclesiástica ou superior direto da congregação à qual ele está vinculado, além de afastamento da paróquia. Uma posição mais dura, como suspensão de ordem, que é um impedimento para celebrar missas e sacramentos, como batismos ou casamento, é bem mais difícil de acontecer nesse caso.
Padre Pinto está integrado a uma congregação, no caso à Sociedade das Divinas Vocações. Deve obediência aos superiores da instituição. Como está a serviço de uma paróquia da Arquidiocese, também está subordinado ao arcebispo local.