De novo, pedras portuguesas estão sendo substituídas na orla de Salvador. Desta vez numa faixa do passeio entre as praias de Jaguaribe e Piatã, mesmo quando em condições aparentemente satisfatórias de assentamento e conservação.
Rapaz, eu não entendi até agora porque estão fazendo isso, disse um vendedor de coco verde e caldo de cana, achando melhor não se identificar. Eu tentei obter informação, porque não sei para quê essa mudança. Eu pensei que era para o pessoal não botar gato. Mas, assim, também, botam. Lembro que, há quatro meses, eles futucaram, por causa da fiação dos postes, e recolocaram as pedras portuguesas. Agora, vieram com picaretas e a máquina e arrancaram tudo de novo. Aí, foi dinheiro público gasto duas vezes, denuncia o vendedor (sem licença expedida pela Superintendência de Serviços Públicos para trabalhar no local).
O surfista Diego Magalhães, 19 anos, compartilha a queixa: é ruim de pisar, é concreto. Um turista de São Luís do Maranhão, Marivaldo Macedo, 37 anos, administrador, ponderou que, do ponto de vista estético, é feio esse concreto na beira do mar. E o professor Franciesco Pinto, 25 anos, disse que prefere o estilo anterior: História da pedra portuguesa é mais interessante do que a do concreto.

Motivação - Conforme informações do secretário de Serviços Públicos Ocimar Torres, a ação envolve a Sesp, a Sucop (Superintendência de Conservação e Obras Públicas do Salvador ) e a Desal (Compania de Desenvolvimento Urbano de Salvador). Segundo ele, o destino das pedras retiradas seria o aproveitamento em outros passeios e praças.
O secretário informa que essa troca de piso foi motivada pelo noticiado acidente que matou o cachorro pertencente a um juiz em 5 de setembro do ano passado. Foram constatados gatos. E, também, havia muito roubo de fios. Também, tínhamos registros da irregularidade dos pisos, o que atrapalhava a caminhada das pessoas, listou. Esse piso evita que tenha gato e roubo de fios. Aqui, tem máquinas elétricas de cachorro quente e de caldo de cana. Era muito comum utilizar a fiação para ligação delas. Com a retirada das barracas de praia, foi descoberto que isso estava sendo feito, afirmou o secretário. Com as pedras portuguesas, tirando uma sai o resto. Então, foi feito um cabeamento da fiação. E a obra foi aproveitada para a junção de trechos da ciclovia, complementou.
As justificativas apresentadas pelo secretário Ocimar Torres não convencem o professor da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia, Daniel Paz, que é pesquisador da ocupação do litoral de Salvador. A questão não é a tecnologia e sim a qualidade da execução de qualquer obra. É só olhar as últimas feitas pela prefeitura, até com outros tipos de material, como a do Clube Português e Imbuí, disse o professor. Mesmo o concreto que eles estão fazendo é muito ruim. Não dá para comparar com o do Campo Grande ou da Avenida Manoel Dias da Silva, concluiu. O professor disse que o concreto não intimida a disposição de quem quer fazer gatos: sujeito faz de qualquer jeito.
Calçadas da Barra - Mesmo sendo no entorno imediato da área entre as praias de Chega-Nego e Piatã, tombada a nível federal em 1948, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) não foi consultado sobre a obra, como prevê o decreto-lei n 25/37.
Em 2008, a intenção de substituir as pedras portuguesas do Porto e Farol da Barra foi submetida ao Iphan que não se opôs, alegando que os monumentos eram o Forte São Diogo, o Forte de Santa Maria e o de Santo Antônio (Farol da Barra).
Depois de a obra ter sido iniciada, o Ministro da Cultura Juca Ferreira lamentou que a ação tenha sido autorizada pela autarquia vinculada ao MinC. Hoje, as pedras deixam saudades na Barra. Eu não reparo em pedra, não. Mas antes devia ser melhor do que isso, com certeza, disse João Magalhães, 20 anos, estudante de medicina, morador do Caminho das Árvores. Acho esse piso melhor que as pedras portuguesas. É só uma questão de limpeza. Mas acho que a prefeitura de Salvador não está em condições de manter nada atualmente, disse Vinicius Ferreira, 32 anos, olhando para o chão de cimento encardido.