Representantes da comunidade de São Francisco do Paraguaçu, no recôncavo baiano, se reuniram em Salvador, nesta segunda-feira, dia 21, com membros dos governos estadual e federal, movimentos negros e grupos da sociedade civil organizada para discutir o processo de titulação da área remanescente de quilombo onde a comunidade está situada. A reunião foi convocada após denúncia de uma possível fraude no processo de titulação, a cargo da Fundação Palmares/Ministério da Cultura, veiculada no Jornal Nacional do último dia 14.
Apesar das denúncias veiculadas no JN, a comunidade de São Francisco do Paraguaçu já recebeu a certidão de posse da terra e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) trabalha no processo de titulação da área. A principal decisão do encontro, ocorrido na Secretaria de Promoção da Igualdade (Sepromi), é que os quilombolas da Bahia e do Brasil articulam um ato de resposta para os ataques que, segundo eles, estariam sendo realizados contra estas comunidades em todo o país. O ato deve ser realizado na primeira quinzena de junho.
A reportagem do Jornal Nacional mostrou que moradores da vila de São Francisco disseram desconhecer a origem quilombola da região. O jornal também informou que os últimos fragmentos de mata atlântica do Recôncavo Baiano estariam sendo devastados no povoado, pertencente ao distrito de Iguape.
Na reunião desta segunda-feira, representantes da localidade contestaram as acusações. “Temos que avaliar como vamos proceder em relação a essa mentira que foi publicada. A maioria das pessoas entrevistadas é apadrinhada por fazendeiros da região que não aceitam o certificado dado pela Fundação Palmares. Os quilombolas entrevistados foram confundidos pela equipe”, afirma Roseni Santana, que faz parte da coordenação geral da comunidade.
A representante da Fundação Palmares presente na reunião, Maria Bernadete Lopes, reafirmou a legitimidade da certidão emitida pelo órgão, que é ligado ao Ministério da Cultura. “Não acreditamos que tenha havido fraude por parte da comunidade. Essa ação não foi dirigida à comunidade. Tem como intenção desmoralizar o decreto 4887/2003. Esse tipo de ação vem sendo realizado em todo o país por aqueles que sempre foram dominantes”, afirma.
O decreto 4887, de 20 de novembro de 2003, regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos.
O superintendente regional do Incra, José Leal, também esteve presente ao encontro e assegurou que a comunidade existe no local desde 1660, por causa da construção do Convento de Santo Antônio, que foi edificado com o trabalho de africanos escravizados. “Estamos concluindo o laudo com base em estudos antropológicos e em dados etnográficos. Esse tipo de atitude atrapalha uma das políticas públicas de reparação mais importantes do país, feita para resgatar a dignidade de um povo que sofre há mais de 300 anos. Essa é uma ação reacionária”, argumenta.
Sobre a questão da devastação da mata atlântica, Roseni Santana, que faz parte da coordenação geral da comunidade, é taxativa: “Nós somos os principais interessados em preservar o meio ambiente. Sabemos que se destruirmos a mata atlântica vamos morrer de fome, porque nossa agricultura e nossa pesca são de subsistência”.
Segundo Roseni, os problemas enfrentados pela comunidade aumentaram após a certificação da região como remanescente de quilombo, entregue pela Fundação Palmares. “Depois que recebemos a certificação, começamos a ser perseguidos. Em 2006, fazendeiros da região acabaram com as nossas roças de feijão, milho, mandioca e coentro. Não tivemos o que colher. Eles querem que a gente negue as nossas origens. Querem que a gente não se afirme enquanto negro e quilombola”, enfatiza.
O representante do Núcleo Cultural Níger Okan, que apóia a comunidade do São Francisco, também defende a idéia de um movimento organizado contra os quilombolas. “Essa ação é fruto de uma articulação nacional contra o movimento quilombola e seus direitos conquistados. Querem derrubar o decreto 4887 e impedir a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial”, acredita.
Também participaram do encontro o secretário da Promoção da Igualdade, Luis Alberto, a Comissão de Justiça e Paz, Conselho Pastoral da Pesca, Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais (AATR), Quilombos de Ilha de Maré, Comissão Pastoral da Terra, Comitê Quilombola da Bahia em Ação, Quilombos de Bom Jesus da Lapa e Quilombos da Região de Rio de Contas .
Na sexta-feira, 25, o presidente do Incra, o Presidente da Fundação Palmares e representantes da Secretaria de Promoção da Igualdade vão visitar a comunidade quilombola de São Francisco do Paraguaçu.