Mecanismos de combate à desigualdade racial, como o Estatuto para a Promoção da Igualdade, estão paralisados
CLEIDIANA RAMOS
Hoje, comemora-se o Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial. Salvador tem uma lei que estabelece esta comemoração também pelo município. É uma data escolhida para reflexão sobre as desigualdades que ainda fazem parte do dia-a-dia da população negra no mundo e no Brasil, onde é a campeã nos números da exclusão social. Embora os dados de renda, saúde, dentre outros, demonstrem essa realidade, as iniciativas para corrigi-los ainda são tímidas. As leis, por exemplo, nesse sentido caminham a passos lentos.
Um exemplo é o Estatuto Nacional da Igualdade Racial. A proposta, de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS), já existe há dez anos. São oito anos de espera, dois quais cinco na Câmara dos Deputados, onde ele primeiro apresentou o projeto. Quando assumiu o cargo de senador há três anos, Paim fez uma nova tentativa, dessa vez no âmbito do Senado.
Em novembro do ano passado, o projeto avançou, trazendo a expectativa de que fosse aprovado no dia 20 daquele mês, dia em que se comemora a Consciência Negra. Não foi. Retornou à Câmara, onde aguarda votação.
O estatuto é importante por ser a reunião do que há de melhor na legislação sobre um tema específico. Nesse caso, estamos falando do que há de melhor para garantir as políticas de reparação, como a legalização de quilombos, o acesso da população negra à saúde, o sistema de cotas, destaca o senador.
Paim é autor do projeto que criou o Estatuto do Idoso, nesse caso aprovado há dois anos. Questionado sobre a dificuldade e a demora na aprovação do seu projeto bem mais antigo, o senador é taxativo: A dificuldade em aprovar o Estatuto da Igualdade Racial é uma prova do quanto este país é preconceituoso. Há argumentos variados para a demora, como, por exemplo, de que deveria ter um estatuto para japoneses, espanhóis, mas que são desculpas sem fundamento. Estamos falando de um grupo que não é minoria e sim a maioria da população e que sempre esteve à margem de tudo, completa o senador.
Lutando com muita fé e com raça
Entidades do movimento negro lançaram, no ano passado, a campanha Na Fé e na Raça, com o objetivo de coletar assinaturas para a criação de um projeto de lei de iniciativa popular propondo o Estatuto Estadual de Promoção da Igualdade Racial e Combate à Intolerância Religiosa.
Foi a forma encontrada diante da paralisação na Assembléia Legislativa (AL) de uma proposta nesse sentido feita pelo deputado estadual Valmir Assunção (PT-BA), presidente da Comissão Especial para Assuntos da Comunidade Afrodescendente da instituição (Cecad-AL). Agora, o grupo resolveu reassumir a luta pela aprovação do projeto original feito pelo parlamentar.
O projeto de iniciativa popular adiaria a discussão até o ano que vem, e avaliamos que seria melhor encararmos o mais urgente possível essa luta para aprovar o projeto que já está tramitando. Além disso, estamos num ano de eleição, quando o espaço para o debate político é bem maior, destaca o advogado Samuel Vida, membro da coordenação da campanha, coordenador do Afro Gabinete de Assuntos Institucionais e Jurídicos (Aganju), ONG de assistência jurídica para assuntos de combate ao racismo e à intolerância religiosa, além de professor da Ufba e da Universidade Católica do Salvador (Ucsal).
Intolerância O Projeto de Lei nº 14.692/2005, que propõe a criação do Estatuto Estadual de Promoção da Igualdade Racial e Combate à Intolerância Religiosa, estabelece como negros todos os brasileiros classificados pelo IBGE nas categorias pretos e pardos e considera discriminação racial as situações que impeçam seu acesso a bens e serviços ou o faça de modo desigual, tanto na categoria pública quanto privada.
Intolerância religiosa é definida pelo estatuto como as manifestações individuais ou coletivas contra os símbolos e valores sagrados das religiões de matriz africana e que incitem ódio contra elas.
O projeto prevê a criação de uma Secretaria Estadual de Promoção da Igualdade Racial, a instituição de um fundo para custeio dos programas especiais voltados para o desenvolvimento da população negra, programas especiais de atenção à saúde dos afrodescendentes, dentre outros benefícios.
Na área de educação, o projeto prevê a responsabilidade do governo do Estado em desenvolver mecanismos que estimulem a permanência e o acesso da população negra aos ensinos médio, técnico e superior, além de estabelecer o sistema de cotas nas universidades estaduais.
Nós estamos agora entrando num projeto de novas discussões para que possamos tornar essa lei realidade, afinal temos o grande desafio de vencer o racismo, que inclusive é também institucional, ou seja, está nas ações do Estado, completa Samuel Vida.
Vereadores vão se reunir para discutir estatuto
De 29 a 31 deste mês, Salvador vai sediar um encontro dos presidentes das câmaras de vereadores de todas as capitais brasileiras. As discussões sobre o Estatuto Municipal para a Promoção da Igualdade Racial farão parte da pauta, segundo o secretário municipal da Reparação, Gilmar Santiago.
Nós já preparamos uma minuta e contamos com o apoio da Câmara de Salvador para fazer da nossa capital a primeira do Brasil a ter uma lei que atenda às necessidades da maioria da sua população, destaca o secretário.
De acordo com Santiago, os encontros com a presidência da Câmara de Salvador e os líderes, tanto da bancada do governo quanto da oposição, têm sido animadores. Essa, com certeza, é uma questão que une todo mundo, afinal, segundo dados como os do Programa Nacional das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), o racismo está na raiz das desigualdades sociais da cidade, acrescenta.
De acordo com Santiago, o projeto preparado pela Secretaria Municipal da Reparação (Semur) contempla questões como as da habitação. Não falamos apenas do déficit quantitativo, mas também do qualitativo, ou seja, a população negra é aquela que está excluída da moradia também no quesito qualidade. Tem também a necessidade de regulamentação das áreas que a população negra ocupa, completa.
Um outro dado que está presente no modelo de estatuto já preparado pela Semur é o que envolve os terreiros das religiões de matriz africana. Precisamos garantir a preservação não só do seu patrimônio físico, como suas áreas verdes, mas também zelar pelo seu patrimônio imaterial e combater a intolerância religiosa. Hoje, um dos grandes problemas na cidade, por exemplo, é a proximidade de igrejas evangélicas nesses espaços, que, na maioria das vezes, escolhem esses lugares numa declaração de confronto, completa o secretário.
As conferências nacional, estadual e municipal sobre igualdade racial realizadas no ano passado foram fundamentais para sedimentar a elaboração dos estatutos. Essas leis surgem das necessidades que ficaram evidentes durante as nossas discussões, e a necessidade de que eles existam nessas várias versões é para atender às realidades locais que são diferentes no Brasil, em Salvador e na Bahia, acrescenta Santiago.
Massacre na África do Sul
Em 21 de março de 1960, durante um protesto contra a lei do passe, que obrigava a população negra a se identificar para circular em determinados locais, 69 negros foram massacrados pelo exército e 186 ficaram feridos em Shaperville, Johannesburgo, África do Sul. Estava em vigência o apartheid, segregação racial que impunha limites à população negra. O mecanismo racista funcionou de 1948 até 1991, quando o presidente Frederick de Klerk assinou um decreto eliminando o apartheid e libertando presos políticos, dentre os quais o líder da luta contra o racismo, Nelson Mandela. Em Salvador, a Lei 020/04 instituiu o 21 de março como o Dia Municipal pela Eliminação da Discriminação Racial.
PROGRAMAÇÃO
8 às 17 horas - A Associação dos Portadores de Albinismo da Bahia realiza hoje o Iº seminário O Portador de Albinismo na Sociedade. Informações: 3321-8387/9945-8837.
A Federação das Associações de Bairros de Salvador realiza o I Seminário A FABS e as Questões Raciais nos Bairros de Salvador, na Biblioteca Central do Estado, nos Barris.
15 horas - O Grupo Atitude Quilombola realiza hoje a Grande Marcha Pela Reparação na Educação e no Trabalho, saindo do fim de linha do Vale das Pedrinhas em direção ao Largo de Santana, no Rio Vermelho.