Guia Arquidiocesano 2006 comprova que número está abaixo do citado em música de Dorival Caymmi
CLEIDIANA RAMOS
Salvador tem 300 igrejas católicas. A quantidade foi determinada na publicação Guia Arquidiocesano 2006. Divulgado este mês, o levantamento é feito anualmente pela Arquidiocese de Salvador para atualizar dados sobre o trabalho em sua área administrativa, como criação de novas paróquias, implantação de novas pastorais, dentre outras.
O levantamento mostra que Salvador tem menos igrejas do que as enumeradas na música de Caymmi, que muita gente absorveu como número real: 365 igrejas na Bahia tem/ Numa, eu me batizei/ Na segunda, me crismei/ Na terceira, eu vou casar com a mulher que eu quero bem (...)
Caymmi não quis falar em quantificação, mas sobre esse catolicismo popular que está vivo o ano inteiro, esclarece o doutor em sociologia Milton Moura, responsável por um curso na Ufba sobre a música popular brasileira. Voltando à contagem feita pela Arquidiocese, as igrejas estão distribuídas por 97 paróquias instaladas na capital.
As paróquias da capital representam 85,08% do total das 114 que formam a região administrativa da Arquidiocese, incluindo as cidades da Região Metropolitana de Salvador (RMS) e também do Recôncavo, como Cachoeira e Santo Amaro. Na contagem, já estão incluídas as capelas que funcionam em comunidades pertencentes às paróquias e as localizadas nos colégios.
REGRAS As igrejas católicas surgem mais lentamente do que as evangélicas, por exemplo. Num levantamento realizado pela Superintendência de Controle e Ordenamento do Uso do Solo do Município (Sucom), dos 17 alvarás de construção de igrejas pedidos no ano passado, apenas dois eram para templos católicos.
As regras para se construir uma igreja católica obedecem à necessidade da comunidade em questão e ao que determina o direito canônico. Além disso, nem sempre a paróquia tem área disponível, o que explica por que o número de igrejas é mais reduzido do que se imagina, explica o padre Manoel Filho, coordenador da Pastoral da Comunicação da Arquidiocese (Pascom).
Há diferentes tipos de igreja, de acordo com o seu uso. Existe, por exemplo, a chamada oratório, que é a instalada numa área particular, muito comum nas casas residenciais em séculos passados e nas fazendas. Era um hábito antigo que ainda persistiu em fazendas, mas também aqui na cidade, como o Condomínio das Rosas, situado no Caminho das Árvores, completa padre Manoel.
Nesses casos, não há a exposição permanente da eucaristia, nome do sacramento que envolve a hóstia consagrada, que, para os católicos, é a presença do próprio Jesus em forma de alimento. Para que aconteçam missas, é necessária a autorização do padre titular da paróquia na qual a área está inserida.
Para a exposição do sacrário onde ficam guardadas as hóstias consagradas, é necessária uma autorização do bispo. A capela é uma igreja pertencente a uma comunidade paroquial e que surge da dinâmica desse trabalho. No caso da igreja matriz, que é a sede da paróquia, ela só é erguida com a criação dessa instância administrativa e também por ordem do bispo.
Maior concentração em São Gonçalo do Retiro
A paróquia de São Gonçalo do Retiro, no bairro homônimo, tem uma marca impressionante: sozinha, reúne, 40 igrejas. É a maior concentração da Arquidiocese. Mas, como frisa o pároco local, padre Maurício Abel, 68 anos, dos quais 44 de sacerdócio, os templos físicos são apenas conseqüência da própria dinâmica comunitária.
Não somos construtores de igrejas. Elas foram surgindo da Igreja, no próprio sentido do termo, ou seja, das comunidades formadas pelo povo de Deus. Começamos muitas vezes no meio da rua, debaixo de uma árvore, até que a comunidade foi crescendo a tal ponto que tivemos que construir a igreja, explica. A paróquia foi criada em 1966, e padre Maurício a assumiu três anos depois.
Um outro dado interessante sobre a paróquia de São Gonçalo foi a forma criativa encontrada pelo padre Maurício para fazer da sua quantidade de igrejas aulas da própria catequese, nome que se dá à formação na fé católica. Cada comunidade recebe o nome a partir das festas importantes para a Igreja.
Dessa forma, a paróquia foi dividida em três setores: São Gonçalo, que abrange 15 comunidades e tem como tema o mistério pascal, ou seja, morte, paixão e ressurreição de Jesus. Assim, as igrejas desse local tem nomes como Ascensão do Senhor, Transfiguração do Senhor, dentre outros.
Em Tancredo Neves fica o setor do Espírito Santo, com igrejas como a de Pentecostes, festa onde se celebra o dia em que os discípulos teriam recebido o sopro que move a própria vida comunitária e passaram a levar a mensagem de Jesus pelo mundo. O outro setor é o Saboeiro, dedicado à Santíssima Trindade.
Em todos eles tem também igrejas dedicadas a Maria, mãe de Jesus, aos apóstolos e santos, que deram nome às comunidades ou às ruas. Foi uma forma também de respeitarmos as devoções locais. Construir igrejas em conjuntos residenciais é difícil, mas tivemos apoio da coordenação, das cooperativas, completa o padre Maurício.
HISTÓRICO O desenvolvimento da paróquia está ligado à própria história do padre Maurício. Belga, ele chegou a São Gonçalo do Retiro em 1969. Tenho mais tempo aqui do que o que morei na Bélgica, faz as contas divertido. Quando chegou à paróquia, ela tinha, aproximadamente, 30 mil habitantes e apenas uma igreja.
Hoje, são 100 mil habitantes, contabiliza. Um outro princípio caro ao pároco é a descentralização na administração das comunidades que foram surgindo. Hoje, ele divide o trabalho com mais três sacerdotes: os padres Agostinho Manuel, Beto Viana e Edwin.
Como somos apenas quatro, o que dá dez igrejas para cada um, a cada semana, as missas acontecem em quatro comunidades. Nas outras, acontece a celebração da palavra, feita pela própria comunidade, pois os leigos têm um papel fundamental na Igreja, completa.
E com essa autonomia comunitária o trabalho social na paróquia também é intenso. Já funcionam cursos profissionalizantes, de informática, pastorais, como a da Criança, que está presente em 25 comunidades, dentre outras atividades, sempre com a participação ativa das pessoas da localidade. Evangelização que funciona é aquela que faz as pessoas se tornarem participantes das mudanças que desejam para sua vida. É aquela que não faz ninguém se acomodar diante de um problema comum, que vai dando essa consciência, diz o pároco, numa amostra de que a sua catequese que une fé e prática tem dado resultado.
O salão virou ponto de encontro da fé
Em 1989, moradoras do Condomínio das Rosas, no Caminho das Árvores, organizaram um grupo em louvor à Mãe Rainha Três Vezes Admirável de Schoenstatt. Este movimento consiste em promover a oração em família com o revezamento na guarda, em cada casa, de uma imagem dessa invocação a Nossa Senhora. A iniciativa acabou crescendo de tal forma que, cinco anos depois, elas solicitaram à administração local um espaço especial para virar salão de orações. Hoje, ele abriga várias atividades, como oficina de oração, cursos e, claro, missas.
Nós conseguimos uma autorização do padre Pedro Spozato, pároco do Itaigara, para que pudéssemos trazer padres periodicamente para as celebrações, diz Nelma Lúcia da Silva Salmazo, 62 anos e moradora do condomínio há 20 anos. Só do movimento da Mãe Rainha participam 60 famílias do condomínio, que é formado por três edifícios, totalizando uma média de 800 moradores. As atividades na capela preenchem o espaço disponibilizado e acolhem, inclusive, pessoas de outros prédios do entorno. O local é o que pode ser definido de oratório particular. As missas acontecem a cada 15 dias, por conta da autorização paroquial. Tem também celebrações em ocasiões especiais, como Natal, dias dos Pais, das Mães, enumera a moradora Maria Luíza de Lucena Corrêa Mascarenhas.
O espaço onde fica o salão de orações elas fazem questão de utilizar essa nomenclatura era usado anteriormente para jogos. Claro que houve discordância e outras sugestões para o aproveitamento, mas acabou prevalecendo a vontade da maioria, que aprovou a idéia de ter um lugar para reflexão, completa Nelma Salmazo.
Os objetos utilizados nas missas, como cálice e toalhas para o altar, foram conseguidos por meio da colaboração dos moradores. Todos ajudam a manter esse espaço, que tem se tornado muito importante para os nossos momentos de reflexão, completa a moradora Neva Campista.