O médico santoamarense Yvan Argolo, 59 anos, traz a nobreza no sangue e na alma. Descendente de Alexandre Gomes de Argolo Ferrão, barão de Cajaíba, senhor de engenho do Recôncavo baiano no século XIX, ele concilia a missão de curar com a arte de escrever. Autor independente, que publica seus livros com recursos próprios, o médico-autor mais parece um guerreiro das antigas Cruzadas, um Dom Quixote que, ao invés da lança, ergue a pena na luta inglória de ser um escritor sem reconhecimento, mesmo depois de 12 títulos e 19 anos de sacerdócio literário.
Embora tenha começado a escrever na adolescência, Yvan Argolo só publicou o primeiro livro aos 40. Além dos 12 títulos que conseguiu imprimir a muito custo, em pequenas tiragens de 300 exemplares por vez, possui engavetados mais dois, que não foram editados ainda por falta de interesse de editoras nacionais e por falta de condições do autor em bancar sozinho mais esta aventura. Ele, porém, pretende publicar os livros assim que se recuperar do último investimento: o livro de contos
Postergados, recém saído do prelo e com lançamento marcado para o próximo dia 10 de outubro.
A festa será no prédio secular do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHBA), pois se falta notoriedade junto ao grande público, sobram os elogios de gente que, também a duras penas, faz a literatura na Bahia acontecer. Escritores como Wilson Lins, autor de sete títulos e membro da Academia de Letras da Bahia, o ensaísta, sociólogo e antropólogo Thales de Azevedo e o jornalista e escritor Oleone Coelho Fontes já escreveram elogios sobre as obras de Argolo.
A ironia é que para conseguir divulgar seus livros e bancar as impressões, o médico com especialização em neurocirurgia precisa vender os exemplares de porta em porta. Em Santo Amaro estão a maioria dos meus leitores, mas em Salvador é mais difícil ficar conhecido. Se fosse no tempo da Progresso, eu não teria esse tipo de problema e seria mais lido, acredita o autor. A Progresso, para quem não é baiano ou tem menos de 50 anos, é a Livraria e Editora Progresso. Fundada pelo advogado e empresário Manoel Pinto de Aguiar nos idos dos anos 40, na década de 50, foi considerada a quinta maior editora do país. Nos anos 60, a Progresso fechou e desde então, outras iniciativas do mesmo porte não foram tentadas na cidade.
Cajaíba de histórias - A maioria dos livros de Yvan Argolo são de ficção. Romances ou contos inspirados no cotidiano e nos personagens de Santo Amaro e região. O escritor, no entanto, que estudou medicina para seguir os passos do pai, já fez pelo menos uma incursão no romance histórico. O material para a empreitada ele colheu em casa mesmo, na história do barão de Cajaíba, antepassado ilustre, polêmico e com fama de ser o senhor de engenho mais cruel do recôncavo.
Minha família perdeu a nobreza com o declínio da cultura da cana-de-açúcar e a decadência dos engenhos do recôncavo. Sempre quis saber sobre esse passado opulento da família e assim, comecei a investigar a vida do barão de Cajaíba, conta. Das visitas à poeira dos arquivos e da consulta às pastas centenárias da Cúria Metropolitana, nasceu o romance
Ave Ceasar.
Nesse livro, Yvan Argolo conta a história do engenho de Cajaíba, situado na ilha de mesmo nome, que fica em frente à cidade de São Francisco do Conde. Com minúcias de historiador e disposição de arqueólogo, Yvan reconstitui a historia do engenho desde a origem, quando foi fundado no século XVI, pelo terceiro governador-geral do Brasil, Mem de Sá, até chegar as mãos da família Argolo Ferrão. Ainda hoje, para a população do município, o casarão do engenho, de pé e preservado, é mal-assombrado pelas almas dos escravos que Alexandre Gomes de Argolo Ferrão mandou torturar e matar. O misterioso solar, por revezes do destino e das brigas de herança, não pertence mais à família do escritor.
Ave Ceasar, apesar dos especialistas no assunto atestarem sua qualidade histórica e literária, não é um livro fácil de encontrar. Percorrendo sebos e bibliotecas com paciência, é possível descobrir um exemplar, para consulta, na Fundação Clemente Mariani, localizada no bairro do Comércio e especializada em livros raros e históricos. Os outros livros do autor, só mesmo indo a Santo Amaro.
Mas, apesar das dificuldades para publicar - dos seus 12 livros só um recebeu apoio e saiu pelo selo Letras da Bahia, da Fundação Cultural do Estado -, o médico-autor Yvan Argolo não desiste e diz que pretende continuar escrevendo até o fim da vida. Sempre confiando que, um dia, a deusa da fortuna literária vai sorrir para ele. Pai de três filhos, exerce até hoje a profissão na qual se formou e atende seus pacientes na Santa Casa de Misericórdia de Santo Amaro.
A cirurgia, ele abandonou faz algum tempo, por sentir-se desiludido com a área. Agora, prefere se dedicar ao milagre de operar palavras. A medicina ainda garante o sustento da família e bancou a faculdade dos meus filhos, mas é a literatura que me realiza. Essa foi uma causa que abracei para a vida toda.