O cantor, compositor, arranjador, produtor, performer, maestro e artista plástico Carlinhos Brown tem se mostrado um dos mais importantes personagens da música e do Carnaval baianos nos últimos anos. Difícil saber qual o marco zero dessa explosão de expressões, mas uma cena que permanece na memória dos baianos é a performance que ele fazia sobre o trio elétrico de Luís Caldas, na década de 1980: uma coreografia de braços e tranças no comando da percussão.
Daquele tempo para cá, Carlinhos virou um artista reconhecido nacionalmente. Tocou com Caetano, criou sucessos, levou vaia em festival, criou polêmicas, pintou e bordou. É também responsável por cenas emblemáticas do Carnaval: arrastão, camarote andante com fantasias e cenografias inspiradas nos orixás, nos árabes...
Agora, o baiano aportou no Mercado do Ouro, que em 1912 passou a ser de propriedade do empresário Amado Bahia. Nesta entrevista, Brown tratou de cidade e arquitetura, de ações sociais e Carnaval mas, sobretudo, de sociedade e cultura. Ele não se exime de apontar caminhos. Carlinhos Brown é contra a exploração do homem.
A TARDE - Como você veio parar aqui, no Mercado do Ouro?
Carlinhos Brown - Você fala de agora ou de sempre? O que me fez conhecer o Mercado do Ouro foram os cegos. Eu tenho uma tia deficiente visual que teve necessidade de aprender a estudar. Esse foi o meu primeiro contato com os serviços sociais. Eu era guia, o que não significa que os trajetos eram feitos por mim. Depois me mandaram para a casa que hoje é o Museu Rodin. E eu saía com uma penca de cegos. Ia a museus, concertos, e tive a oportunidade de ir ao Clube dos Marinheiros, que era aqui em frente para o Cruz Vermelha, e o Periperi. Ia junto com minha tia, com Osvaldo, Tadeu, Deró, Jamilto, uma porrada de cegos. Era lindo ir a museus e igrejas. Aí eu tomei gosto pela Arte Sacra. Daí vem muito desse gosto estético. Esse Mercado é hispânico, olha as arcadas, são mouriscas, porque a Espanha é totalmente árabe.
Por que você diz que a influência aqui (no Mercado) é mais espanhola que portuguesa?
Talvez porque os portugueses são mais dispersos que os espanhóis. Acho os espanhóis mais culturalmente atentos com o Brasil e comigo especialmente.
Autoridades vêem Barcelona como um exemplo de cidade para Salvador. Você segue por esse mesmo caminho?
Salvador é um modelo para si mesma. Barcelona tinha o seu cais escondido, não conhecia o seu mar. Era tudo fechado, tipo esse cais que tem aí. Você passa e não vê a Baía de Todos os Santos. E tinham ruínas. O que se fez? A cidade virou educadora da Europa. As pessoas passaram a perceber e hoje fazem fila para ver o prédio do Gaudí. Mas eu não comparo esses modelos. Salvador tem seu modelo próprio e único. E o mar quente, inclusive. O Mar Mediterrâneo já tem outro sentido. Você bóia mais do que mergulha. Eu adoro Barcelona, mas acho que Salvador está muito longe de ser Barcelona. De ter o que eles já conquistaram. Agora, se nós corrermos atrás... Nós temos traços mouros, mesmo. As cúpulas côncavas, barrocas, são mouriscas. Hoje, Portugal parece mais com a Rede Globo do Rio de Janeiro do que com os mouros. Repete os modelos de televisão. Portugal maltrata a entrada de negros. É uma humilhação a gente chegar lá. E é um país que a gente ama.
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