O cardeal arcebispo de Salvador e presidente da CNBB, dom Geraldo Majella, esclarece, nesta entrevista à repórter Cleidiana Ramos, quais os erros litúrgicos cometidos pelo padre José Pinto. O sacerdote realizou uma polêmica apresentação durante a tradicional festa da Lapinha, nos últimos dias 5 e 6. Em sua terceira experiência como autoridade superior de uma diocese e doutor em liturgia , ele afirma que nunca havia enfrentado um problema parecido. Nesse tom clamoroso, nunca tinha acontecido.
Geraldo Majella
A TARDE Do ponto de vista litúrgico, em que padre Pinto errou?
DOM GERALDO Ele cometeu vários erros. O modo como se apresentou não era um ritual tipicamente romano, que é aquele que a Igreja segue. O aparato muito misturado com outras formas de liturgia não-católicas não é lícito, pois não pode haver essa mistura.
Em alguns momentos, chegou-se a usar a palavra inculturação, que é um termo da Igreja para a utilização de elementos das culturas locais no trabalho de evangelização. No caso específico do que foi feito por padre Pinto, pode-se falar em inculturação?
Não. Todos os povos têm os seus modos de cultuar Deus e alguns elementos podem ser anexados ao rito católico, mas isso não pode estar em contradição com o nosso rito. Há outras formas de religião e modos de celebrar que não são típicos da nossa liturgia cristã-católica. A inculturação pode ser feita, mas não significa que cada um vá introduzir coisas diferentes por sua própria conta, sem autorização. Essas mudanças ou anexações não podem ser feitas sem aprovação. A Igreja está aberta à inculturação e incorpora outros valores, mas com aprovação da autoridade eclesiástica e licença de Roma.
Aqui em Salvador, na Igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, no Pelourinho, ocorre a celebração da missa com elementos da cultura afro-brasileira, como a melodia dos cantos. Isso é inculturação?
O que acontece na Igreja está dentro da liturgia católica. Tudo o que se faz ali não tem exaltação. Nunca presenciei no local nada contrário ao que recomenda a Igreja.
O padre Pinto declarou que o senhor estava informado sobre as apresentações artísticas que ele decidiu fazer. O senhor tinha conhecimento?
Não tinha conhecimento e, se tivesse, não permitiria e não daria autorização para a manifestação desse tipo de comportamento. Tanto a manifestação quanto o vestuário utilizado não são litúrgicos e nem apropriados, por isso não devem ser adotados.
Em agosto do ano passado, o monsenhor Michael Fitzgerald, arcebispo e presidente do Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religioso do Vaticano esteve em Salvador para conhecer o relacionamento entre a Igreja Católica local e a diversidade de crenças, que é uma característica forte da Bahia. O senhor já recebeu algum tipo de manifestação dele sobre o que viu aqui?
Ele ficou muito satisfeito pelo tipo de visita que pode fazer e que é uma manifestação de respeito. Ele não veio para policiar, mas para conhecer. É uma atitude que procuramos manter, pois as autoridades do candomblé não querem fazer nenhum tipo de mistura entre os seus ritos e os nossos e também nós não queremos adotar os ritos do candomblé. Isso significa seguir o princípio de respeito pelo outro. Cada um celebra a sua fé do seu modo próprio.
O padre Pinto sofrerá algum tipo de punição?
Nós não temos nem Exército e nem cadeia para castigar ninguém. O que queremos é a obediência e ela acontece de forma livre, onde cada um decide aceitá-la por sua liberdade de decidir. Deve-se saber que há um princípio de rito católico e quem abraça essa fé deve ser fiel a ele e segui-lo do modo como ele está estruturado.
De alguma forma este incidente pode prejudicar o diálogo que é mantido pela Arquidiocese com outras religiões, como as de matrizes africanas?
Não, mesmo porque estamos falando de manifestações pessoais, particulares e que não devem afetar nosso diálogo inter-religioso. O monsenhor Fitzgerald veio aqui e foi conhecer outros modos de denominações religiosas, seu modo de cultuar. Nós podemos e temos liberdades para fazer essas visitas, de construir uma relação de respeito, o que não devemos é misturar a nossa fé e cada religião tem aquilo que lhe é próprio.
Como o senhor ficou sabendo da apresentação do padre Pinto? O senhor estava viajando, não é?
Sim. Fiquei sabendo pela TV e fiquei muito surpreendido pelo modo como ele estava vestido e se comportou.