Jornalista cria cordel a favor dos trovadores
Carta Aberta ao prefeito (ou Apelo de um cordelista pela banca na Praça Cayru)
Por Zezão Castro
Inspiração, apareça
Sob o manto azul do céu
Este humilde vate volta
Às tramas de um cordel
Pra falar de uma aberração
Verdadeira assombração
Uma tsunami de fel:
Assassinaram a banca
Dedicada aos repentistas
Na Internet tá rolando
Abaixo-assinados, listas
Salvador diz não ao feito
Por favor, senhor prefeito
Considere os cordelistas!
Em nome da poesia,
Prefeito ACM Neto,
A literatura é obra
E o poeta um arquiteto
Tome a frente do processo
Fechar a Banca é retrocesso
Inclua ela no projeto
Não deixe que em Salvador
Tudo vire camarote
Nem permita aos empresários
Sugar os nossos cangotes
Fica aqui dado o recado
E esse IPTU salgado?
Estourando nos fracotes
Tinha um velhinho no Largo
Logo ali no 2 de Julho
Um dia a reforma urbana
O tratou como bagulho
Na base do “não insista
e é melhor que não resista”
Sem barraca, sem orgulho...
Voltando a nossa Banca
A história é quem garante
Quem encabeçou a luta
Foi Rodolfo Cavalcanti
No ano de 79.
A luta sempre comove
O trovador vai avante
Paraíba da Viola
Era o último comandante
A banca era uma carreta
E não sobrou nem a jante
Conheci vários poetas
Estudantes e estétas
Naquele trecho elegante
Assim que a tarde caia
Lá na Praça do Mercado
Via Bule Bule e Queiroz
No seu encontrado marcado
Era sextilha e galope
Eu bebia meu xarope
E gargalhava um bocado
Sua arquitetura simples
Toda feitinha em tijolo
Sua porta era de ferro
Dentro cordéis, os bolos!
Digo os nomes dos artistas
Que alegraram os turistas:
(Dentre sabidos e tolos)
Pra reforçar o pedido
Também vou historiar
Tudo pra que a nossa Banca
Volte a logo a funcionar
No ano de Copa do Mundo
É o meu desejo profundo
Ouvir o repente lá
Pra história do cordel
A poeira se remove
Começou aqui no Brasil
No século XIX:
Em meia, cinco no ato
“Testamento de Um Macaco”
Em Recife, ainda comove
Em dezoito, nove, três
Leandro Gomes de Barros
Publica suas histórias
Batalhas, lendas e sarros
Cangaço, ABCs, romances
Fábulas de mil nuances
Malazarte e seus esparros
Tem Silvino Pirauá
João Martins de Athayde
Francisco das Chagas Batista
É raio de luz que incide
Em Pernambuco e Paraíba
No Nordeste, lá em riba
Quem fala mal tem revide
Deve ter aparecido
Na Bahia nesse tempo
Mas falta um pesquisador
Confirmar este advento
Pra encabeçar a lista:
O primeiro cordelista
Da Bahia e seu invento
Erotildes Santos, Lucas
Da Feira é seu personagem
Disse que o vulto cruel
Nunca perdia a viagem
Se vingou das injustiças
Produzindo mais carniças
Em Feira e outras paragens:
“Certa vez ele pegou
Um Tal Chico de Petu
Tirou a roupa do cabra
Deixou o sujeito nu
E depois dando risada
Fez dar muita embigada
Num pé de mandacaru”
Franklin Maxado assina
O “Maxado Nordestino”
300 já publicou
Rimando com muito tino
xilógrafo, advogado
jornalista, diplomado
Cordelizar é seu destino
É natural de Feira
Mas lido em todos estados
Gostava de cantoria
Desde tempos não lembrados
Fez um casamento hippie:
Carro-de-boi e não jipe
Assim chegou amuntado
Já dirigiu dois museus
O Regional de Arte
E o da Casa do Sertão
Divulgou por toda parte
Pôs cordel na Bienal
Pioneiro, nada mal
Leu Leandro e leu Descartes
Também na Banca eu lia
A obra de Caboquinho
Tanto sabe usar a pena
Como sabe usar o pinho
Repentista que escreve
E ao Sertão bem descreve
Puxou ao seu pai, Dadinho
João Ramos é um vate
Do tipo do maioral
Canta sextilha e galope
Um destaque estadual
Conhece chula e reizado
Alegra até batizado
Sua estrofe é de cristal
Atualmente em Feira,
Jurivaldo Silva é
Um dos últimos vendedores
Às 8 já está de pé
Na Praça Jota Pedreira
Quando o sol dá na moleira
Ele compra um picolé
Veio lá de Baixa Grande
Fez de tudo que é função
Foi lavrador e circense
Mecânico em caminhão
Como escreve sem perícia
Assina então com Patrícia
A filha do coração
Por sorte o cordel tem
Um custo muito barato
Muitos em papel jornal
Quem tem mais, usa A-4
Vive a margem do sistema
É arte fora de esquema
Água limpa do regato
Uns falam de cangaceiros
Reinados ou traição
Crimes novos, mitos velhos
Ecologia, maldição
Socorro ao Rio São Francisco
Pelejas de muito risco
Remédios pra infecção
As páginas do livrinho
São em múltiplo de quatro
8,12 ou 16
20, ou mais de 24
Sendo poesia, é flor
Ou espinho de amor
Dá na cidade e no mato
Subindo um pouco de Feira
Santa Bárbara é o torrão
Do vate Antônio Barreto
Já publicou de montão
Se o fato acontecer hoje
Rimando, sem fazer pose
Amanhã: cordel na mão!
Atualmente ele mora
Em Salvador, na moral
Aglutina os cordelistas
Pras matérias de jornal
Toca violão, verseja
Sua risada troveja
E homem de cabedal
Também na sua terra tem
As duas irmãs sem medo
Uma é Maria José
Outra Eroltildes Macêdo
Romperam com este universo
Mulher é boa pra verso
E cordel de bom enredo!
Antonio Alves da Silva
Setenta e tantos no curso
Publicou seus cem cordéis
E ganhou cinco concursos
Tirou todos em primeiro
Compõe histórias ligeiro
Tem a inspiração no pulso
Euclides da Cunha, Zé Aras
Em Petrolina, Cazé
Antonio Vieira se foi
Antonio Queiroz vivo é
De Eunápolis, Tolstói
João Augusto pisca o zói
Papada é de Nazaré
De lá também vem Pardal
Zé Pires, de Ituaçu
Jotacê com o megafone
Minelvino lá no Sul
Creuza Meira, rima afim
Gilmara Cláudia em Bomfim
È lida em Aracaju
Tem Marco Haurélio em Riacho
Varneci em Banzaê
Gustavo de Ibititá
Souza Queiroz de Irecê
Ismoca herdou do pai
E quem sai ao seu não trai
Faz sextilha e ABC
Na capital, Davi Nunes
Tarcízio Mota e Urpia
Luiz Campos descreve
Guegueu faz com maestria
Carlos Joel, Jacobina
Pôs no cordel e na rima
Maysa é só poesia
Isso tudo sem citar
Cuíca de Santo Amaro
Falecido em meia quatro
Era de um talento raro
Falava bem ou mal
Era só pagar que Ele, o Tal
Nem cobrava assim, tão caro
De Candeal, no Portal
Seo Leandro Tranquilino
Que do Mercado Modelo
Foi quase que um inquilino
Na Banca do Repentista
Sua presença se registra
Rima desde que é menino
Antônio Cardoso é
Pequenina no lagedo
Mas seu filho, Bule Bule
Posso afirmar sem medo
É um artista completo
Faz peteca com o alfabeto
Pra pelejar é rochedo
Fí de Mané Jararaca
E de Isabel, meu irmão
Batizado como Antônio
Ribeiro da Conceição
O pai era tiraneiro
Rezador e bom festeiro
Com fama na região
Começou a fazer cordel
E diz que nem lembra quantos
Se deixar ele trabalha
Feriados, dias santos
A editora é “Licutixo”
Bule pra rimar é um bicho
Citado em tudo que é canto
Parece que os governantes
Com a máquina na mão
Não sabem que também há
Em Salvador um Sertão
Mas graças a Bule Bule
No mapa não há quem pule
Essa grande tradição
Os caçulas deste gênero
Quase deixo de falar
Nesse Portal sem porteira
Das terras de Irará
Terra de farinha e bodes
De Aristeu e das odes
E de cordel publicar
Marcos Antonio Carneiro
O Kitute de Licinho
Tem tatoo e facebook
Tudo olha de mansinho
No universo iraraense
Ele trova e faz suspense
Mas ali não tá sozinho
Já fez rima com Tom Zé
O matuto e o travesti
Quem lê o que ele escreve
Dificilmente não ri
Junto com Zé Cego e Sérgio
A caatinga é seu colégio
Tem sangue de Cariri
Prefeito, além desses, muitos
Passaram rimando antes
Não deixe o cordel ficar
Sem seu quartel flamejante
Ligue, bata uma bola
Paraíba da Viola
É o nosso representante
Enfim, Salvador já é
Berçário de mil projetos.
È melhor que ser “Cidade
Dos Trovadores Sem-Teto”.
Cordel é uma identidade
Das faces dessa cidade
Num histórico trajeto
Com seriedade fiz
As rimas deste relato.
Seriamente eu tratei
Trovando sem ser gaiato
Respeitosamente o tema
Ornado com muitos fatos
Zezão Castro
Salvador, 7 de fevereiro de 2013