Odilia deixou o primeiro filho nascer 'a pedido do orixá'
"A cantar na maré que vai / E na maré que vem / Do fim, mais do fim, do mar / Bem mais além / Bem mais além do que o fim do mar / Bem mais além". A canção "Canto de Iemanjá", composta por Vinicius de Moraes e Baden Powell, poderia ser pensada por muitas Odílias, Fernandas, Sofias e Sueides.
O motivo? A letra reflete a aproximação que os devotos têm com o orixá. De ouvir o amor cantado pela Rainha do Mar, Odilia Conceição do Nascimento, 48, permitiu a vinda de Sidney, seu primeiro filho, ao mundo.
"Quando engravidei, passei por muitos problemas e queria tirá-lo. Foi a primeira vez que Iemanjá me pegou [incorporou] e me disse para deixar ele nascer, que tudo daria certo. E ele nasceu em 2 de fevereiro, dia dela. Hoje, Sidney é a minha maior paixão", conta.
Odilia é filha de Iemanjá. A sogra e a comadre dela também. Já Sidney é ogan (tem responsabilidades com a divindade) do orixá. "A Rainha do Mar rodeia a nossa vida. Temos um laço tão forte que é difícil explicar", diz Odilia, que vai passar o primeiro 2 de fevereiro longe do filho. Ele está em São Paulo, a trabalho.
Assim como a filha de santo, a advogada Fernanda Costa, 35, ouviu o canto de amor da Princesa de Aiocá. Ela conheceu Álvaro Bohana, o esposo, na praia. Mais precisamente dentro do mar.
"Ele puxou conversa comigo, e eu até fui grosseira. Mas me queimei com uma água-viva e fui socorrida por ele. Foi onde tudo começou", narra.
Segundo Fernanda, desde pequena ela via beleza na divindade. "A minha visão é de que era bonito e só. Até que um familiar casou no dia do orixá e me dizia que a bênção das águas levou bons fluidos para a união".
Resultado: o casamento de Fernanda e Álvaro foi realizado no dia 2/2/2002. A soma dos números forma o 8 (símbolo do infinito), e a celebração ocorreu da forma que ela desejava.
"Eu pedi para que chovesse, mas não muito. Como se a água fosse uma bênção, e aconteceu. Depois disso, passamos a comemorar a data na Festa de Iemanjá. Sempre agradecendo e pedindo felicidade", destaca a advogada.
Crença
Natural de São Paulo, a judia Sofia Conchester, 38, encantou-se com a festa em 2005, quando passou o Carnaval na capital baiana. Curiosa, retornou apenas em 2011, e a paixão cresceu. "De lá para cá, vou a Salvador todos os anos, exclusivamente para o 2 de fevereiro".
Nesse período, a produtora cultural só faltou ao "compromisso" dois anos, por conta do trabalho. "Fico frustrada quando não posso ir. É o início do meu ano, e cada vez aprimoro mais o meu presente", comenta.
Já a jornalista Sueide Kintê, 28, nasceu no dia de Iemanjá e é filha de santo do orixá. "Nascer nessa data foi a marca cósmica mais bonita que eu poderia receber. Dá diretriz a minha vida".
Para ela, das festas populares que existem, a da Rainha do Mar é "a mais persistente e genuína". Mas, apesar de toda a proximidade com a divindade, Sueide aproveita o dia apenas para se divertir.
"Tenho responsabilidades com Iemanjá durante todo o ano. No dia 2, prefiro apenas agradecer e curtir a festa, que é importantíssima para a cultura da Bahia. Esse é o único dia em que, de fato, um orixá é celebrado", pondera Sueide.