Procissão realizada no Cais do Carvão com destino à Igreja do Pilar, em 1945
Nesta segunda-feira, 30, uma alvorada com fogos no Porto de Salvador marca o início do ciclo das festas públicas de verão. Isso porque, diferentemente do que muita gente pensa, não é a homenagem a Santa Bárbara que inaugura esse período, mas as comemorações em homenagem a São Nicodemus, organizadas pelos funcionários da Companhia das Docas do Estado da Bahia (Codeba).
A partir das 8h30 começa a 34ª edição da corrida rústica, seguida de procissão e missa na capela do santo. A festa, iniciada por estivadores e carregadores, se mantém firme, embora hoje aconteça de forma mais restrita devido às novas regras de segurança sobre portos, que passaram a vigorar em 2001.
Com os atentados contra aviões e prédios ocorridos nos EUA em 11 de setembro de 2001, elas se tornaram ainda mais rígidas. Assim, a procissão, por exemplo, não sai mais às ruas.
"É a nossa festa que abre o calendário do verão na Bahia. Continuamos nos esforçando para mantê-la", afirma Glorianete Melo Souza, técnica de operações portuárias, que preside a comissão deste ano. Ela está na Codeba há 31 anos.
Apresentação
A condição da festa como ponto de partida do ciclo de verão já estava sedimentada nos anos 1960, como mostra um artigo publicado na edição de A TARDE de 26 de novembro de 1966 e assinado por Antônio Monteiro, um conhecido especialista sobre questões relacionadas à cultura popular da Bahia: "A devoção de São Nicodemus, de menor densidade do que outras, considera-se como a que abre o ciclo das festas porque, em sequência, tem início a de Santa Bárbara, do Mercado da Baixa dos Sapateiros, seguindo-se daí em diante o curso normal do ciclo das tradicionais festas populares da Bahia".
Monteiro afirma no texto que começou a acompanhar o grupo de estivadores em 1946, três anos depois, segundo ele, do início da festa. Inclusive exibiu fotografias, que hoje compõem o acervo do Centro de Documentação de A TARDE (Cedoc) com referências do período inicial, como a que exibe Cirilo Manuel dos Reis, personagem que teve o sonho crucial para fazer de São Nicodemus o padroeiro dos trabalhadores do porto.
Outra imagem das apresentadas por Monteiro é a que mostra o santo com o cachimbo e o carvão aos seus pés. O cachimbo remonta à sociedade formada para a diversão dos seus integrantes no então chamado Cais do Carvão e que se tornou cenário para a realização da festa. Não à toa, era a "Sociedade do Cachimbo".
"Entre a fuzarcaria do samba, houve uma pausa, quando surgiu a ideia de se realizar, ali mesmo, uma sociedade, que tomou o nome de sociedade do cachimbo", narra Monteiro em seu artigo. Foi em meio a essa sociedade que fabricaram uma figura de barro.
Durante a brincadeira para escolher seu nome, Cirilo gritou "Nicodemus", denominação que venceu a disputa. Logo depois, ele sonhou com um homem que foi identificado como São Nicodemus. A imagem, a partir das indicações de Cirilo, foi moldada por um santeiro famoso chamado Vicente.
Outras versões da história e os elementos que passaram a integrar a festa foram reunidos no livro intitulado São Nicodemus - Vitória do povo; aquele que vence as pessoas, de autoria da mestra em história social pela Ufba Rita de Cássia Santana de Carvalho Rosado, publicado em 2005.