A TARDE ouve gestores da polícia e de saúde para esclarecer relato de ataques na capital
O número de registros em delegacias da capital de vítimas que relataram ter sido furadas por um homem com uma seringa subiu para oito – dois homens e seis mulheres. A mais recente é uma mulher que apresentou queixa na 12ª Delegacia Territorial (12ª DT-Itapuã).
No Hospital Couto Maia (Bonfim), 10 pessoas deram entrada informando terem sido atacadas, segundo dados da Secretaria da Saúde do Estado (Sesab). No entanto, até agora, as linhas de investigações estão abertas e a polícia não descarta nenhuma hipótese.
Titulares de duas delegacias estão com imagens de câmeras de segurança (ainda sendo tratadas para melhorar a qualidade), mas não é possível ver a agressão: uma pessoa se aproxima e há rápido contato e fuga, porém não dá para perceber se porta uma seringa.
Um retrato falado não foi concluído e, segundo o diretor em exercício do Departamento de Polícia Metropolitana (Depom), delegado Carlos Habib, ainda não se tem certeza da qualidade do que será produzido. “Faltam detalhes das características do agressor. Há vítimas que não conseguem descrevê-lo. Estamos aguardando”.
Só a mulher que registrou queixa na 12ª DT, sexta-feira passada, foi indicada para a produção do retrato falado, por ter condições de descrever melhor o agressor.
Não há certeza se os crimes são praticados pela mesma pessoa. Cada caso é investigado pela delegacia da região onde o fato ocorreu. “Não quisemos unificar, pois as informações são imprecisas. Não sabemos se há mais de um suspeito, alguém imitando. Nos parece que não é um só. Se concluirmos que é uma única pessoa, vamos unificar”, afirmou Habib.
As vítimas passaram por exames para verificar se a lesão foi causada por objeto perfurante. Os resultados não foram concluídos.
Casos
O primeiro caso ocorreu com um motorista de ônibus. Em 18 de setembro, ele foi à 3º DT (Bonfim) relatar ter sido ferido por um passageiro ao trafegar na Ribeira. Ele disse que foi atacado no rosto com uma seringa e descreveu um agressor “de cor parda, estatura mediana e cabelos pretos”.
O segundo caso aconteceu com um soldado do Exército, na Av. Joana Angélica (Centro). Na 1ª DT (Barris), ele disse que foi ferido no braço por um homem, mas, segundo a polícia, a vítima “não forneceu características físicas que pudessem auxiliar na identificação do autor”.
Uma mulher de 41 anos e uma menina de 12 anos disseram ter sido atacadas na Ribeira – na rua Lélis Piedade, dia 18 deste mês, e no dia seguinte, na rua Aníbal da Silva Garcia. À polícia, a garota relatou que “um homem negro, de estatura baixa e porte atlético, espetou o braço esquerdo dela e em seguida fugiu, correndo”.
As outras ocorrências foram registrados sexta-feira passada: além da vítima em Itapuã, uma mulher na Av. 7 de Setembro, outra na Liberdade e uma adolescente em Fazenda Coutos. As duas últimas procuraram a 3ª DT, pela proximidade ao Hospital Couto Maia, mas foram encaminhadas às DTs da Lapinha (2ª) e Periperi (5ª). No mesmo dia, a Polícia Civil divulgou que o Depom adotou “medidas para intensificar” as ações.
Saúde
Embora a Sesab tenha informado que 10 pessoas foram atendidas no Couto Maia, referência em doenças infectocontagiosas, a diretora da unidade, Ceuci Nunes, disse nesta segunda ao A TARDE que algumas supostas vítimas voltaram ao hospital e relataram que a seringa estaria “limpa” e que a pessoa que a portava seria “conhecida”.
Outras, “que não havia perfuração”. Essas pararam de fazer a profilaxia. A médica, no entanto, não precisou quantas pessoas corrigiram a informação do ataque nem quantas fazem profilaxia.
Riscos
A diretora do hospital explicou que, nos casos em que houver sangue na seringa, “e for novo”, segundo ela há risco de transmissão de vírus HIV e HTLV, e hepatites B e C. Para o HIV, caso haja de fato perfuração, é necessário tomar um coquetel de medicamentos por quatro semanas. Hepatite B e tétano são combatidos por vacinas. “Não há profilaxia para os outros casos (HTLV e hepatite C)”, ela informou.
De acordo com o delegado Carlos Habib, os soteropolitanos têm que agir normalmente. “Não tem por que mudar a rotina. Ainda verificamos se todas as ocorrências estão relacionadas ao uso de seringa. Não quero desacreditar as vítimas, mas temos que ter cuidado”. Para Ceuci, não é necessário pânico: “Algumas pessoas estão se aproveitando”.

Couto Maia: algumas vítimas mudaram versões (Foto: Iracema Chequer | Ag. A TARDE | 8.9.2010)
Habib disse, ainda, que é preciso ter atenção e não espalhar fotos de falsos suspeitos. Recentemente, foi divulgado no aplicativo WhatsApp a foto de um homem sem confirmação. “Isso tudo contribui para o pânico. Divulgaram a foto de uma pessoa que não tinha nada a ver. A pessoa pode ser presa ou até agredida por populares”, advertiu o policial.
Em Iaçu, interior da Bahia, um homem suspeito de atacar uma mulher com uma seringa sofreu tentativa de linchamento neste fim de semana. Ele foi ouvido e, por o crime não ter sido confirmado, foi liberado.
>> Disque-Denúncia: 71 3235-0000
Moradores da Ribeira
Os ataques com seringa registrados em Salvador desde o mês passado têm gerado apreensão e medo em moradores do bairro da Ribeira. É que foi nessa região que aconteceram cerca de 40% dos casos contabilizados pela Polícia Civil.
A cozinheira Selma Souza, 36 anos, tem torcido para que a polícia consiga encontrar o culpado pelas “seringadas”.
“Eu temo pela segurança de meus filhos. Não tem como se prevenir em uma situação dessas”, desabafou.
Uma das ocorrências foi a de um motorista de ônibus da linha Estação Pirajá-Ribeira, atingido no rosto por um passageiro com uma seringa. Para o condutor Valdemyr Andrade, 48 anos, da linha Ribeira-Sabino Silva, os crimes têm assustado os motoristas de coletivos.
“Os casos com seringa geraram receio em 80% dos condutores que conheço. Ainda não recebemos nenhuma orientação da empresa de ônibus sobre formas de precaução”, disse ele.
Valdemyr relatou que alguns passageiros, com medo, têm buscado andar em trios ou grupos maiores.
O comerciante João Cerqueira, 50 anos, explicou que muitas conversas sobre o “maníaco da seringa” surgiram no estabelecimento dele. Mas, mesmo assim, ele disse que muita gente ainda não sabe da ocorrência dos ataques.
Contudo, mesmo com a angústia de ser infectada por alguma doença, não dá para deixar de sair. Essa é a opinião da dona de casa Rosângela Oliveira, 48.
“Todo mundo está receoso, mas não dá para simplesmente se trancar e parar de viver, de realizar os afazeres. Minha filha, neste sol, queria vir caminhar na orla de calça, com medo de ser atacada. Não podemos nos privar de tudo”, ponderou Rosângela.