“Mãe é tudo igual, só muda o endereço”. Quem, ao comparar a própria mãe com a de outra pessoa, não repetiu esta frase com toda convicção? Engana-se, no entanto, quem acredita neste ditado clichê. Os comportamentos das mães são determinados por diferentes histórias de vidas e por vivências únicas, características que as transformam em criaturas peculiares, especiais. O que, talvez, as deixe tão similares é o amor incondicional, que ultrapassa qualquer barreira. E para comemorar o dia dedicado a essas super mulheres, A TARDE trouxe o perfil de três diferentes mães: Joenice Figueredo, Nádia Chalita e Inês Silva, que representam tão bem esta categoria de pessoas que transformaram a vida em nome de uma maternidade real, muito distante daquelas típicas das propagandas de margarina. Joenice, 23, que nem planejava ser mãe, precisou aprender a lidar com as limitações da filha Késia Rayssa, de um ano e meio, para ajudá-la a se desenvolver. Nádia, por sua vez, abrigou em seu pequeno lar três filhos biológicos e oito adotivos como forma de distribuir amor. Já Inês abandonou os preconceitos para apoiar os filhos e transformou a rejeição em compaixão para abraçar famílias com filhos LGBT. Por meio de trajetórias tão distintas, as três estão deixando marcados em suas crias, cada qual a seu jeito, ensinamentos imprescindíveis para a nova geração, como dedicação, compreensão e delicadeza.
Joenice, a mãe especial
"Ela não é doente, ela é especial", afirma Joenice (Foto: Adilton Venegeroles | Ag. A TARDE)
O nascimento de Késia Rayssa, hoje com um ano e sete meses, não estava nos planos de Joenice Figueredo, 23. A descoberta da gravidez foi uma surpresa para a jovem, que planejava ser mãe depois dos 30 anos. Na última ultrassonografia antes do parto, o médico que acompanhava Joenice observou uma anormalidade no feto, no entanto, não soube definir do que se tratava. Os pais da garotinha só souberam que ela era portadora da síndrome congênita associada à infecção pelo zika vírus ao detectarem sinais de microcefalia no momento do nascimento.
A família do bebê sequer teve tempo de se preparar para lidar com a situação: “Eu já tinha ouvido falar da doença, mas nem sabia do que se tratava. Tive que aprender tudo naquele momento”, conta. E daquele dia em diante, a vida de Joenice foi um constante aprendizado. Ela precisou descobrir as complexidades da doença para entender as necessidades de Késia que, hoje, faz tratamento em três unidades de saúde.
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Minha família é especial, me sinto especial por ter recebido a dádiva de ter a oportunidade de criar esta criança, que é única
Joenice Figueredo, mãe de Joenice Figueredo
Para encarar esta maratona de procedimentos médicos, exames e consultas, as duas viajam por cerca de 21 quilômetros de Simões Filho até Salvador em um veículo fornecido pela prefeitura do município, pelo menos, duas vezes por semana. “É uma viagem cansativa para nós duas, mas nem passa pela minha cabeça esmorecer”, diz.
E cada pequena evolução no desenvolvimento da garotinha é motivo de comemoração. “Hoje, minha filha está muito mais esperta, já ergue o corpo e observa o movimento das coisas”, comemora.
O que veio como surpresa para a família, tornou-se um presente: “Eu não desgrudo da pequena, ela me dá tantas alegrias que nem consigo mensurar. Às vezes, as pessoas comentam: ‘Nossa, que pena que sua filha é doente’. Nessas situações, sequer respondo, pois ela não é doente, ela é especial. Minha família é especial, me sinto especial por ter recebido a dádiva de ter a oportunidade de criar esta criança, que é única. Essa missão não é pra qualquer um”.
>> Nádia, a mãezona
Mãe pediu a Deus que lhe mostrasse a criança mais necessitada (Foto: Adilton Venegeroles | Ag. A TARDE)
É clichê dizer que em coração de mãe sempre cabe mais um. Mas nenhum outra frase definiria tão bem a história da paulista Nádia Chalita, 48. Há quase 30 anos ela mudou-se da capital paulista para Salvador junto com os três filhos biológicos e o esposo, que acabara de ficar desempregado. A permanência na capital baiana não foi tarefa fácil: os cinco dividiam um apartamento minúsculo, sem mobília.
No jantar, eles utilizavam as tampas das panelas como prato. Mesmo com dificuldades, Nádia decidiu realizar um sonho antigo: adotar uma criança. “Eu não poderia passar nesta vida sem poder ajudar alguma criança”. Visitou três abrigos da cidade e não conseguiu decidir qual delas levaria para casa. “Minha vontade era de criar todas elas”.
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Em uma noite de orações, pediu a Deus que lhe mostrasse a criança mais necessitada. Como num milagre, Leandro, que tinha apenas seis meses na época, apareceu na noite seguinte, por meio de uma conhecida que não tinha condições de sustentá-lo. Pouco tempo mais tarde, Nádia soube da história de duas garotas, Mara e Maria, que residiam no interior do estado e que também estavam precisando de cuidados. Ela não hesitou e tratou de levá-las para casa.
Anos mais tarde, foi a vez da história do pequeno Matheus tocar o coração de Nádia. O menino estava prestes a ser entregue a um orfanato. Com a família repleta de crianças, Nádia acreditou que havia, enfim, cumprido a missão de poder distribuir amor para tanta gente. Mas o compromisso de vida da “mãezona” ainda não estava completo. Há dois meses, ela recebeu a visita de uma sobrinha, que lhe entregou os quatro filhos. “Pensei: onde comem sete, comem mais quatro”, contou.
E foi assim que Júlia, 6, as gêmeas Clara e Luiza, 2, e João, 1, chegaram para compor esta grande família. “A impressão que eu tenho é que quanto mais eu distribuo amor, mais amor eu tenho para dar a todos eles”.
>> Inês, a mãe ativista
Há cerca de 3 anos, ela descobriu que os dois filhos são gays (Foto: Raul Spinassé | Ag. A TARDE)
Hoje, pela primeira vez, Inês Silva, 48, passará o Dia das Mães longe dos dois filhos: André, 28, e Andreia, 25. Por mais que saiba que a distância é por um bom motivo – os dois estudam e trabalham em Montreal, no Canadá –, é inevitável que o coração de mãe não fique apertadinho.
A condição de mãe saudosa tem permeado a vida de Inês há, pelo menos, três anos, quando os filhos decidiram deixar o país. Primeiro a caçula e, em seguida, o mais velho. “Meus filhos sempre foram meus parceiros. A partida deles foi muito traumática, tive que aprender a me redescobrir”, conta.
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É assustador saber que nossos filhos podem não retornar para o lar apenas por serem homossexuais
Inês Silva, mãe de dois filhos
Inês encontrou o consolo necessário para lidar com a ausência dos filhos ao decidir militar por uma questão que lhe é bastante familiar: a causa LGBT. Há cerca de três anos, ela descobriu que os dois filhos são homossexuais. Até aquele momento, ela se considerava uma mulher liberal. No entanto, a notícia causou-lhe desespero. “Das duas vezes, tentei suicídio. Eu achava que era apenas uma questão de momento, que eles iam ‘se curar’, ‘mudar de ideia’, que fosse uma ‘moda’ de adolescente”.
E não foi. Com o apoio dos filhos e do esposo, ela não só aceitou o caminho das crias, mas entendeu que era necessário não apenas apoiá-los, mas também oferecer a mão para outras famílias que passaram pela mesma situação. “Pensei: se eu não tiver perto deles apoiando, quem vai estar?”, questionou. Foi assim que ela tornou-se coordenadora regional do coletivo nacional Mães pela Diversidade, composto por famílias de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais.
“Quando meus filhos saíam de casa, em Salvador, eu não conseguia dormir enquanto eles não chegassem. É assustador saber que nossos filhos podem não retornar para o lar apenas por serem homossexuais”. Hoje, a luta de Inês é a mesma de muitas outras mulheres que compartilham da mesma angústia. “Só queremos que nossos filhos sejam felizes”.