Jane Fernandes | Foto: Joá Souza | Ag. A TARDE
Baleia morreu ao encalhar em Coutos. Animal pesava cerca de 39 toneladas
Apenas cinco das 43 baleias jubarte que encalharam na costa brasileira, de janeiro até o último dia 5, ainda estavam vivas. Na Bahia, entre 14 animais encalhados, dois chegaram à praia com vida, um em Nova Viçosa e outro em Salvador. Estimativas do Projeto Baleia Jubarte apontam que menos de 15% dos encalhes acontecem com baleias vivas.
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No caso da baleia que encalhou na praia de Coutos no último dia 30, o resgate foi dificultado também pelas condições da área. "O animal estava em um local de pedra, a maré estava secando e ia demorar seis horas para encher novamente. Tínhamos praticamente chance nenhuma de resgatar", explica Luena Fernandes, bióloga do Projeto.
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Encontramos excesso de gente, pessoas tocando na baleia, falando alto, o que deixa o animal mais estressado e pode até ter agravado o quadro
Luena Fernandes, bióloga
Coutos
A fragilidade do animal pode ser gerada por acidentes, algum tipo de doença, desnutrição e até mesmo velhice. "Nesses casos, normalmente eles não sobreviveriam mesmo que fossem devolvidos ao mar", reforça a especialista.
A equipe do projeto não localizou sinais de colisão com embarcações ou danos causados por emalhamento em redes na jubarte encalhada em Coutos. A bióloga esclarece que apesar do porte das jubartes, elas podem ficar presas em material de pesca. Outra possibilidade é que arrastem as redes por um longo período, sofrendo lesões graves nas nadadeiras e corte de artérias, por exemplo.
A baleia de Coutos era um exemplar adulto, com cerca de 14 metros de comprimento e peso estimado em 39 toneladas. De acordo com o Projeto, não foi possível determinar o sexo do animal e qualquer indicação da causa da morte depende da análise das amostras coletadas no local, que é feita por parceiros do Baleia Jubarte.
"Coletamos lágrimas, sangue, muco e outros fluidos corporais, amostras biológicas para que possamos buscar o diagnóstico ou possível causa do encalhe e consequente morte", detalha Luena. A bióloga informou que não há previsão para ter o resultado dessas análises.
Embora a baleia viva tenha aparecido menos de 24 horas após a carcaça de um filhote chegar à praia de Plataforma, a especialista esclarece que a proximidade dos locais foi coincidência. Ela lembra que as jubartes geralmente morrem em alto mar e após isso suas carcaças podem ser arrastadas para diferentes pontos, a depender das correntes e das marés.
Como os encalhes podem variar em distribuição ao longo do ano, a bióloga afirma que ainda não é possível apontar se a temporada de 2019 tem menos ocorrências do que 2018. No entanto, entre janeiro e agosto do ano passado, o Baleia Jubarte registrou 76 encalhes, fechando o ano com 107 casos.
Embora animais sejam avistados também em outros meses, a temporada das jubartes no litoral brasileiro, local de reprodução da espécie, acontece de julho a novembro, com pico em agosto e setembro. A estimativa é que este ano, cerca de 20 mil baleias da espécie circulem em águas nacionais antes de voltar para a Antártica, onde se alimentam durante o verão.
Agonia
Quando avistou a baleia presa nas pedras, na praia próxima a sua casa, ainda na noite do dia 29, o pescador Ivan Ferreira Gonçalves, 44 anos, não tinha o número do Projeto Baleia Jubarte e tentou falar com alguns órgãos públicos para comunicar a ocorrência. Ele e os vizinhos, com os quais dividiu o pedido de ajuda, não conseguiram ser atendidos em nenhum dos locais.
Ivan conta que quando saiu para pescar, às 4h do dia 30, o animal parecia gemer e na sua agitação tinha batido a cauda em um barco, que ficou com avarias. Quando voltou à praia, perto das 9h, o Baleia Jubarte, acionado pelo Corpo de Bombeiros, já havia chegado. "Encontramos um excesso de gente, pessoas tocando na baleia, falando alto ao redor, o que deixa o animal ainda mais estressado e pode até ter agravado o quadro dele", comenta Luena.
Chamada pelo Projeto, a Companhia de Polícia de Proteção Ambiental (Coppa) também foi para a praia de Coutos, mas segundo a assessoria da Polícia Militar, a atuação da Coppa nessas situações se resume a fazer a guarnição do local.
A bióloga diz que entende a comoção das pessoas diante de uma baleia encalhada, mas alerta que a única coisa que a comunidade ao redor pode fazer é isolar a área e acionar o Projeto Baleia Jubarte (71 3676-1463). "É importante não jogar água na cabeça da baleia (o local por onde os animais esguicham vapor é sua narina), pois pode prejudicar mais ainda", reforça.
CARNE DE ESPÉCIME MORTO OFERECE RISCO DE CONTAMINAÇÃO
Articular órgãos públicos municipais e estaduais para um atendimento mais estruturado em caso de encalhe de baleia, especialmente se estiver viva, é o foco da aproximação entre a Secretaria Municipal de Sustentabilidade, Inovação e Resiliência (Secis) e o Projeto Baleia Jubarte.
De acordo com o secretário da Secis, André Fraga, uma reunião está sendo marcada para a segunda quinzena do mês e a proposta é criar um grupo de trabalho que esteja de prontidão para atender a esses casos, especialmente na temporada de reprodução das baleias jubarte no litoral brasileiro.
Orientação
“Uma das ideias é capacitar as lideranças locais comunitárias e pescadores para eles saberem como agir nessas situações, pois apesar da boa intenção, as pessoas acabam, às vezes, fazendo coisas equivocadas”, acrescenta Fraga.
Esse trabalho de orientação também deve evitar que as pessoas se exponham a riscos de contaminação, como ocorreu em Coutos. Apesar do alerta da equipe do Projeto Baleia Jubarte sobre o perigo de até mesmo tocar no animal morto, ainda na tarde do dia 30, moradores da região tiraram pedaços da baleia para consumir.
Saúde
Foi o caso do pescador Luís Paulo, que disse ter levado cerca de 40 quilos de carne de baleia para casa. Diante da fartura, reuniu um grupo de amigos e fez um churrasco. “É gostosa demais, é cupim, é peito… e que venha mais”, afirmou. Segundo ele, o sucesso foi tamanho que outro churrasco já estava sendo marcado.
Embora o pescador e seus convidados aparentemente não tenham apresentado problemas de saúde, a bióloga Luena Fernandes, do Projeto Baleia Jubarte, garante que o risco de contaminação com doenças comuns nesses mamíferos e micro-organismos diversos é alto. Ela ressalta que o processo de decomposição se inicia imediatamente após a morte do animal.
Além de perigosa, a retirada de carne de uma baleia também é um crime ambiental previsto na Lei 7.643, de dezembro de 1987, que proíbe a pesca de qualquer espécie de cetáceo, assim como a produção de dano intencional a esses animais. Quem desrespeitar a lei pode ser punido com pena de dois a cinco anos de reclusão e multa.