Michel Pereira, da marca Ofá Nish, resolveu fazer bonés personalizados com saudações das divindades africanas | Foto: Moisés A. Neuma | Agência Mural
As religiões de matrizes africanas têm servido de inspiração e movimentado a rede de empreendedorismo na região da Fazenda Garcia e seus arredores, em Salvador. De bonés estilizados a joias, serviços de costuras ou de manutenção de indumentárias, a fé tem gerado renda e oportunidades de negócios.
Um desses exemplos é do microempresário Michel Pereira, 39 anos, proprietário da marca Ofá Nish, que resolveu fazer bonés personalizados com saudações das divindades africanas.
“A Ofá Nish nasce com a ideia de vestir nossa espiritualidade diariamente. Fazemos moda de resistência, que empodera”. A primeira coleção lançada em 2019 teve 15 modelos diferentes. a segunda coleção terá foco na nação Bantu.
O ourives Luís França, 39 anos, é outro empreendedor que busca inspiração nas ferramentas e simbolismos dos orixás. “Buscamos trazer uma reflexão ao nosso público além de apresentar os amuletos que lhe deixam mais perto daquilo que você acredita e tem como fé”.
Conhecido como Mago dos Metais, forma como se apresenta nas redes sociais, o morador do bairro do Candeal iniciou no ramo há quase 13 anos, em uma joalheria no Centro Histórico de Salvador, onde aprendeu a arte de confeccionar joias.
Trajetória
“No começo, trabalhava com joias clássicas. Ao longo do tempo, com minha aproximação e logo após iniciação no candomblé, comecei com propriedade a criação e confecção de joias ligadas ao sagrado. Hoje o povo de santo representa a maior parcela do meu público e sigo produzindo joias clássicas”.
Segundo o relatório anual da GEM (Global Entrepreneurship Monitor), ser dono do seu próprio negócio é o sonho de 77% dos brasileiros. Para concretizar esse desejo, o músico André Ornelas, 38 anos, fez da fé estratégia para enfrentar a pandemia. O morador da Fazenda Garcia iniciou as vendas de abará.
“Um dia fui até o meu avô de santo, tata Icéju Massó, e perguntei se tinha a permissão para vender abará. Licença concedida, iniciei as vendas em minha residência. As vendas vêm crescendo tão rapidamente que hoje vejo a possibilidade de contratar entregador”.
Na Bahia, as religiões de matrizes africanas representam no estado a fé de mais de 47 mil pessoas, de acordo com dados do último censo do IBGE realizado em 2010.
Com o passar dos anos, as novas rotinas também fizeram com que algumas tradições do povo de santo ficassem mais difíceis de serem realizadas, como a prática de colocar goma para modelar as roupas utilizadas nas atividades do rito.
Enxergando nessa demanda uma oportunidade de negócio, as microempresárias Ediara Conceição, 45 anos, e Vanessa Kênia, 35 anos, fundaram a “Engome e Passe de Oyá”, especializada na manutenção das indumentárias do povo de santo, no bairro do Engenho Velho da Federação.
Tradição
O trabalho de lavar, passar e engomar é feito de forma manual. “Na nossa religião nos é ensinado a manter a energia das mãos em tudo que se faz. Precisamos passar confiança aos nossos clientes”, afirma Vanessa.
A empresa conta com um leque de pacotes e serviços especializados e teve como inspiração a história de Juliana Ferreira, bisavó de Vanessa, que trabalhou como lavadeira em Nazaré (a 79 km de Salvador). “Ela lavava e passava roupa para bancários, ofício que aprendeu no Terreiro Congo de Ouro”, conta Vanessa.
Outra que seguiu os passos da família foi a costureira Marilene Carvalho, 69 anos. Moradora do bairro do Alto das Pombas, ela conta ter aprendido com a mãe a costurar, mas que somente após a vivência religiosa percebeu no ofício a possibilidade de realizar seus sonhos e os da família.
“Comprei uma máquina usada da minha comadre, por R$ 200, na época, e comecei a fazer as roupas apenas olhando”, diz.
Ela contou que seu trabalho serve como inspiração a outras mulheres. “Depois que eu comecei, muitas filhas da casa passaram a costurar. A gente entrega o serviço aos orixás e espera que possamos continuar firmes”, disse a filha do Terreiro de Santa Luzia, localizado no Garcia.