Leia também:
>> Sofrimento não justifica nem autoriza sacrifício de bebê anencéfalo, diz CNBB
>> Ministro do STF diz que entre a ciência e entidades religiosas fica “no meio termo
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello sinalizou hoje que reafirmará sua posição favorável ao reconhecimento do direito de as mulheres que esperam fetos com anencefalia interromperem as gestações. Em 2004, o ministro concedeu uma liminar liberando a realização dos procedimentos em todo o território nacional, mas, meses depois, a liminar foi derrubada pelo plenário do STF. Ele previu que o plenário da Corte julgará a polêmica até novembro.
Relator da ação que definirá se será ou não liberada a interrupção das gestações de fetos com anencefalia - que apresentam ausência de parte do cérebro -, Marco Aurélio presidiu hoje uma audiência pública na qual falaram representantes das entidades religiosas Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Igreja Universal do Reino de Deus, Associação Pró-Vida e Pró-Família, Católicas pelo Direito de Decidir e Associação Médico-Espírita do Brasil.
A ala contrária à interrupção das gestações citou diversas vezes a história da menina Marcela de Jesus Ferreira que, apesar de ter sido diagnosticada como anencéfala, viveu 1 ano e 8 meses. Para esse grupo contrário à interrupção das gestações, Marcela é a prova de que uma criança com anencefalia tem vida, possui um cérebro primitivo e pode sobreviver por meses após o nascimento. A ala teme que uma decisão favorável do STF à interrupção das gestações abra brechas para a legalização de outras modalidades de aborto.
Os favoráveis à interrupção de gestações disseram que a mulher tem o direito de escolher se quer manter uma gravidez de uma criança que viverá por pouquíssimo tempo ou se deseja interrompê-la. Para o advogado Luiz Roberto Barroso, que defende a autora da ação, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS), há dúvidas de que Marcela tinha de fato anencefalia.
Representante da Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família, o médico Rodolfo Acatauassú Nunes afirmou que Marcela era anencéfala. Ele disse que as crianças com essa anomalia podem ter algum nível de consciência. "A anencefalia não é o mesmo que morte encefálica, porque uma pessoa que respira sozinha e que é amamentada pela mãe sem precisar de aparelhos está viva", disse Nunes, médico e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). "Existem muitas reações desses bebês que não se explicam, por isso é necessária a cautela."
Cacilda Ferreira, mãe da menina Marcela, afirmou que sua filha "sorria bastante, era muito carinhosa e se sentia feliz". Ela afirmou que cada segundo da vida de sua filha foi muito importante e que não se arrepende de ter mantido a gravidez.
Carta
Já a professora da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo e socióloga Maria José Rosado, da organização não-governamental (ONG) Católicas pelo Direito de Decidir disse que cabe a cada mulher resolver se quer ou não levar uma gravidez de anencéfalo adiante. Maria José leu a carta de uma mãe de Teresópolis, no Rio de Janeiro, que já tem uma filha com hidrocefalia e, na segunda gravidez, descobriu que esperava um feto com anencefalia.
A carta foi enviada aos ministros do STF. A mãe tentou interromper a gestação, mas não conseguiu uma decisão judicial a tempo. A criança nasceu e morreu. "Viver uma gravidez sem esperança é acordar e dormir no desespero", afirma a mãe na carta. "Nunca vou esquecer do caixão com a filha que me obrigaram a enterrar." Representante da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o padre Luís Antônio Bento, rebateu: "É melhor oferecer a um filho um caixão do que uma lata de lixo."
Na audiência pública de hoje apenas o ministro Marco Aurélio Mello esteve presente. Na quinta-feira, uma nova audiência pública sobre o tema será realizada no STF. Serão ouvidos, então, representantes do Conselho Federal de Medicina, da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia, da Sociedade Brasileira de Medicina Fetal, da Sociedade Brasileira de Genética Clínica e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.
Além deles, falarão também os deputados federais José Aristodemo Pinotti e Luiz Bassuma e a professora de biologia molecular Lenise Aparecida Martins Garcia. Na próxima terça-feira haverá uma audiência pública com representantes da sociedade.