Uma operação conjunta do Ministério Público do Trabalho (MPT) e Delegacia Regional do Trabalho no Rio de Janeiro flagrou na última segunda-feira (19) cerca de 40 homens submetidos a condições degradantes de trabalho na capital fluminense.
Hoje (21), os trabalhadores prestaram depoimento na Procuradoria do Trabalho da 1ª Região. Segundo o MPT, os trabalhadores são de Guariciaba do Norte, interior do Ceará, e contratados pela empresa Marques Vieira Conservação e Limpeza, que presta serviço a seis companhias de ônibus urbanos do Rio.
Os trabalhadores foram encontrados em dois alojamentos no bairro Cosmos, zona oeste do Rio, a partir de uma denúncia feita ao MPT em janeiro deste ano. Ao inspecionar o local, procuradores e fiscais do Trabalho constataram várias irregularidades em relação a leis trabalhistas e à moradia funcional.
De acordo com o relato do chefe da Fiscalização do Trabalho no Rio de Janeiro, Marcos Guerra, um dos alojamentos - uma casa com dois quartos, cozinha e banheiro - abrigava 29 homens em beliches com três camas distribuídas num espaço de oito metros quadrados. Segundo ele, as camas eram os únicos móveis da casa. Além de mau cheiro e sujeira, não havia água potável, nem ventilação no local. Também foi constatada a presença de ratos.
O alojamento é o pior que eu já vi nestes três a quatro anos que estou no grupo móvel de fiscalização, declarou Guerra.
Entre as irregularidades trabalhistas apuradas na vistoria estão a jornada excessiva de trabalho, que chega a 12 horas, e descontos irregulares no salário relativos a uniformes, material de segurança individual e às passagens de ônibus que trouxeram os trabalhadores para o Rio.
Apesar dos empregados trabalharem com carteira assinada, tanto as horas extras como os descontos não constavam nos contracheques, informou o chefe da fiscalização.
Segundo a procuradora do Trabalho Lisyane Motta, apesar da fachada de legalidade, a situação pode ser considerada semelhante à de trabalho escravo uma vez que o grande volume de descontos nos salários reduzia tanto a remuneração dos trabalhadores que os impedia de retornarem ao seu local de origem.
Para a procuradora, não há dúvidas sobre as condições degradantes a que a empresa submetia os funcionários. Disse porém que só no final dos depoimentos será possível determinar se a situação configurava trabalho escravo.
As circunstâncias vistas no local sem dúvida configuram condições extremamente desumanas, degradantes. O que nos preocupa é como configurar o trabalho análogo ao escravo porque existe uma capa de legalidade carteira assinada, recolhimento de FGTS, contratos regulares com as empresas tomadoras de serviço. Esse manto legal esconde uma situação real de condições análogas ao trabalho escravo
Segundo depoimentos dos trabalhadores ao Ministério Público, a prática de arregimentar trabalhadores no Ceará para atividades ligadas à limpeza de ônibus já existe desde 1979.
José Luis Araújo, 24 anos, um dos trabalhadores que depôs hoje no Ministério Público, disse que a realidade que encontrou no Rio de Janeiro foi bem diferente do prometido na sua cidade, em Croatá (CE), onde aceitou o trabalho. A gente vem de lá para cá para trabalhar, mas quando chega aqui é tudo diferente. A gente sofre muito na casa, ninguém quer ficar, tá todo mundo revoltado.
João Soares, 28 anos, também se queixou das condições de trabalho que enfrenta. A gente trabalha de seis das tarde às seis da manhã, e quando chega pra dormir não tem cama suficiente. A gente recebe, mas tem muito desconto, eu nem sei explicar, um mês vem um tanto e no outro vem outro.
As instalações inspecionadas na segunda-feira ficavam a menos de dois quarteirões da garagem da empresa de ônibus Expresso Pégaso, onde os trabalhadores realizavam o serviço. De acordo com a procuradora Lisyane Motta não é possível que jamais um empregado da empresa tenha sabido notícias das condições de trabalho daqueles empregados que vieram do Nordeste.
Lisyane Motta informou a inspeção realizada esta semana faz parte de uma investigação que envolve também as outras cinco empresas de ônibus que mantêm contratos com a prestadora de serviço e que as investigações vão continuar inclusive em alojamentos mantidos por essas empresas. O setor jurídico da Expresso Pégaso não quis se posicionar sobre o assunto uma vez que os trabalhadores não tinham vínculo empregatício com a empresa.
Representantes da empresa Marques Vieira Conservação e Limpeza que compareceram hoje para dar esclarecimentos ao Ministério Público não quiseram atender a imprensa. O advogado que defende a empresa, Sílvio Alves da Cruz, disse que a empresa ainda não foi responsabilizada formalmente por nenhuma irregularidade.