A postagem, compartilhada por ministros e apoiadores do presidente, incomodou até mesmo governadores alinhados a Jair Bolsonaro
Dezenove governadores, entre eles o governador Rui Costa (PT), assinaram nesta segunda-feira, 1º, uma nota pública para rebater números publicados pelo presidente Jair Bolsonaro sobre o repasse de recursos feito pela União aos estados brasileiros.
Segundo os governadores, o chefe do Palácio do Planalto busca "produzir informação distorcida, gerar interpretações equivocadas e atacar governos locais". "Em meio a uma pandemia de proporção talvez inédita na história, agravada por uma contundente crise econômica e social, o Governo Federal parece priorizar a criação de confrontos, a construção de imagens maniqueístas e o enfraquecimento da cooperação federativa essencial aos interesses da população", diz trecho da nota, assinada por todos os governadores do Nordeste.
A publicação também destaca que, no modelo federativo brasileiro, boa parte dos impostos federais pertence aos estados e municípios, assim como parte dos tributos estaduais pertence aos municípios. "Em nenhum desses casos a distribuição tributária se deve a um favor dos ocupantes dos cargos de chefe do respectivo Poder Executivo, e sim a expresso mandamento constitucional", continua o texto.
Assinam a nota até mesmo aliados do presidente, como Ronaldo Caiado (DEM), governador de Goiás, e Ratinho Júnior (PSD), governador do Paraná.
Bolsonaro voltou a entrar em rota de colisão com os chefes dos Executivos estaduais, ao criticar as medidas adotadas nos últimos dias pelos governadores para buscar conter o pior momento da pandemia do novo coronavírus no país.
No domingo, 28, ao comentar as altas taxas de ocupação de leitos de UTI, o presidente afirmou que "a saúde no Brasil sempre teve seus problemas". "A falta de UTIs era um deles e certamente um dos piores", acrescentou. "Hoje, ao fecharem o comércio e novamente te obrigar (sic) a ficar em casa, vem o desemprego em massa com consequências desastrosas para o país", completou Bolsonaro.
Além disso, o presidente publicou em suas redes sociais valores repassados pelo governo federal a cada estado, em valores diretos e indiretos - relativos a suspensão e renegociação de dívidas - e também do auxílio emergencial.
Na resposta a Bolsonaro, os governadores apontam que o presidente contabiliza valores pertencentes, por obrigação constitucional, a estados e municípios, como os referentes ao Fundo de Participação dos Estados (FPE), Fundo de Participação dos Municípios (FPM), Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), SUS e royalties, por exemplo. "Situação absurda similar seria se cada Governador publicasse valores de ICMS e IPVA pertencentes a cada cidade, tratando-os como uma aplicação de recursos nos Municípios a critério de decisão individual", diz a nota.
Em relação ao auxílio, os governadores o classificam como uma "iniciativa do Congresso Nacional, a qual foi indispensável para evitar a fome de milhões de pessoas".
"Adotando o padrão de comportamento do Presidente da República, caberia aos Estados esclarecer à população que o total dos impostos federais pagos pelos cidadãos e pelas empresas de todos Estados, em 2020, somou R$ 1,479 trilhão. Se os valores totais, conforme postado hoje, somam R$ 837,4 bilhões, pergunta-se: onde foram parar os outros R$ 642 bilhões que cidadãos de cada cidade e cada Estado brasileiro pagaram à União em 2020?", questionam os governadores. "Mas a resposta a essa última pergunta não é o que se quer. E sim o entendimento de que a linha da má informação e da promoção do conflito entre os governantes em nada combaterá a pandemia, e muito menos permitirá um caminho de progresso para o País", completam.
Alguns dos signatários da carta também se manifestaram individualmente sobre a postagem de Bolsonaro. Presidente do Consórcio Nordeste, o governador do Piauí, Wellington Dias (PT), afirmou que o presidente "confunde e engana a população ao informar dados distorcidos".
"O presidente da República insiste em agredir a verdade para tentar atingir os governadores. Ele está postando contas malucas sobre recursos enviados aos estados, misturando com municípios, recursos de FPE, FPM, auxílio emergencial etc. Em suma, é um irresponsável", disse o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB). "A mentira federal sobre repasse de recursos ao Estado do Maranhão é tão absurda que o valor 'informado' (R$ 36 bilhões) equivale quase ao dobro do orçamento do Estado em 2020. Vamos ter que, mais uma vez, entrar na Justiça por essa vergonhosa fake news", completou Dino.
Possível adversário eleitoral de Bolsonaro em 2020, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB) disse que o presidente "faz política com mentiras" e que "Estados sustentam a União, não o contrário". "Importante também ressaltar que a União reteve no período 60,27% do total de tributos federais arrecadados, distribuindo apenas 39,73% aos Estados e Municípios. É o mau exemplo de 'Mais Brasília e Menos Brasil'. Está na hora de mudar", apontou.
"O presidente da República mistura, sem explicar, todos os repasses federais (até os obrigatórios pela CF) e fala que mandou R$ 40 bilhões pro RS. Se a lógica é essa, fica a dúvida: como o RS mandou pra Brasília 70 bi em impostos federais, cadê os nossos outros 30bi que enviamos?", provocou o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB).
Veja quem assinou a nota:
Renan Filho - Governador de Alagoas
Waldez Góes - Governador do Amapá
Camilo Santana - Governador do Ceará
Renato Casagrande - Governador do Espírito Santo
Ronaldo Caiado - Governador de Goiás
Flávio Dino - Governador do Maranhão
Helder Barbalho - Governador do Pará
João Azevêdo - Governador da Paraíba
Ratinho Júnior - Governador do Paraná
Paulo Câmara - Governador de Pernambuco
Wellington Dias - Governador do Piauí
Cláudio Castro - Governador em exercício do Rio de Janeiro
Fátima Bezerra - Governadora do Rio Grande do Norte
Eduardo Leite - Governador do Rio Grande do Sul
João Doria - Governador de São Paulo
Belivaldo Chagas - Governador de Sergipe
Rui Costa - Governador da Bahia
Mauro Mendes - Governador do Mato Grosso
Mauro Carlesse - Governador do Tocantins