Cine Guarani lotava com os filmes trazidos por Pithon
Imaginem o que aconteceria se alguém anunciasse que ia trazer Channig Tatum, Joe Manganiello, Kevin Nash, Adam Rodriguez e Matt Bomer, os astros desnudos de Magic Mike XXL, para receber o público vestidos a caráter na estreia do filme no Espaço Itaú de Cinema Glauber Rocha. No mínimo, uma grande confusão.
Guardadas as proporções e considerando diferenças de gênero e época, foi mais ou menos isso o que Francisco Pithon fez no lançamento de Sodoma e Gomorra, filme realizado por Robert Aldrich em 1962, que tem no elenco Pier Angeli, Rossana Podestà e Scilla Gabel.
Notável exibidor de cinema baiano, que se destacou como um grande marqueteiro dos anos 30 a parte dos 70 do século passado, ele agora tem biografia lançada neste sábado, 15, a partir das 17 horas, no Glauber Rocha, pelo jornalista e pesquisador Flávio Novaes, editada pela Assembleia Legislativa do Estado.
O exibidor entendia que poderia promover ainda mais Sodoma e Gomorra. Foi então ao Rio de Janeiro, contratou duas coristas do teatro de revista, pediu à distribuidora trajes originais usados nas filmagens, na época considerados sumários, e anunciou que duas atrizes de Sodoma e Gomorra "estariam aguardando os espectadores do filme" na porta do Guarani, hoje Glauber. A multidão parou o trânsito na Praça Castro Alves.
Ações de Pithon
Francisco Catharino Pithon, que morreu em 1992, fez história em meio à sociedade, os políticos e a Igreja Católica, reformando cinemas, colocando cadeiras acolchoadas, aparelhos de ar-condicionado. Foi ele que iniciou sessões contínuas e deu nomes indígenas à maioria das salas do centro da cidade: Tupi, na Baixa dos Sapateiros, Tamoio, na Rua Ruy Barbosa, Guarani, na Praça Castro Alves, Timbira, em Feira de Santana.
Falar do cine Excelsior (Praça da Sé), no Liceu (Rua Saldanha da Gama), Popular (Rua da Oração), Art (Rua da Ajuda), Bahia (Rua Carlos Gomes), dentre inúmeros outros, é lembrar a história de Pithon. Flávio Novaes afirma que mergulhou em um mundo que não esperava. "As pessoas que vão ler este livro devem tentar se transportar para um período em que não havia televisão. Isso é fundamental. Era outra dimensão, não havia internet, nada disso, só o cinema", afirma.
A ideia de fazer o livro, explica, veio do contato direto que teve com Antônio, filho de Francisco, que foi presidente do Bahia, clube de futebol para o qual o jornalista trabalhou como assessor de comunicação. "Quando a Coleção Gente da Bahia passou por uma reestruturação, com novos nomes e recebendo sugestões para perfis, fiz a proposta a Paulo Bina [chefe da Assessoria de Comunicação da Alba], que foi de pronto aceita".
Novaes afirma que pode parecer um lugar-comum, mas Francisco estava à frente do tempo. "Ele ia até o Rio de Janeiro e trazia filmes de lá - era quase uma espécie de super-herói nas páginas dos jornais, que anunciavam: 'Pithon viajou e está trazendo filmes legais da Rússia, da França, da Itália e do Japão...' Eram filmes que ele conseguia promover trazendo realmente atores e atrizes para a Bahia".
Pesquisa
O livro traça o perfil do exibidor, nascido em 1917, na cidade de Poções, colocando-o como "uma das personalidades mais empreendedoras que a Bahia conheceu no século 20". O jornalista Novaes diz que a publicação é resultado de pesquisa de dois anos. "Tive vantagem pelo fato de Antônio Pithon ter guardado tudo que o pai recortava. Eu diria que Francisco não era vaidoso, mas cuidadoso: recortava tudo que tinha o nome dele. Deu para traçar um perfil bem bacana e sua relação com a imprensa".
Luiz Viana Filho, Norberto Odebrecht e Correia Ribeiro eram pessoas próximas a ele. Em depoimento, o artista plástico Juarez Paraíso, que transformou a sala de espera do Tupi em uma obra de arte no final dos anos 60, diz que o exibidor "trouxe o luxo para a Bahia".
Pithon começou a trabalhar com o frei Hildebrando Kruthanp, religioso alemão radicado em Salvador, e se tornou, entre os segmentos em que atuou, presidente da Federação das Congregações Mariana da Bahia. Antes, a ação com o cinema e a Igreja era de forma educativa, segundo Novaes, mas ele começou a melhorar algumas salas.
Além de pequenas obras, como o estofamento de cadeiras, trabalhou com artistas como Carybé, que esculpiu os índios nas paredes do Guarani. Criou antessalas como espaço de convivência: "Foram intervenções que tinham grande repercussão", afirma Novaes.
Além do filho de Francisco e outros membros da família, o jornalista ouviu o crítico e professor de cinema André Setaro, o crítico Hamilton Correia, o funcionário público José Geraldo da Costa Leal (filho de Geraldo da Costa Leal, autor do livro Um Cinema Chamado Saudade). Foram mais de 10 pessoas.
Do maestro Carlos Coqueijo Costa, ministro do TST e primeiro presidente do famoso Clube de Cinema da Bahia, resgatou depoimentos que o consagra como figura "quase ascética, de refinado gentil homem da Renascença". Lembra a colaboração com o advogado, crítico de cinema e ensaísta Walter da Silveira, colocando os cinemas à disposição em horários não comerciais para a realização das sessões, a partir de 1950, do Clube de Cinema.
E de José Augusto Berbert, jornalista de A TARDE, que era um entusiasta do trabalho do exibidor, resgatou um artigo publicado em maio de 1976 que exaltava a figura do agora biografado: "Faço votos que um dia surja um escritor à altura de concluir o livro que Walter da Silveira deixou iniciado. Estou certo que ele fará a necessária justiça ao trabalho de Francisco Pithon".