Vincent Carelli, criador do Vídeo na Aldeia, mostra matérias sobre despejos a índios Kaiowa
O Cine Kurumin, já em sua quinta edição, chega pela primeira vez a Salvador neste fim de semana no Palacete das Artes, com a exibição de temática indígena. Dez convidados - dentre eles oito cineastas indígenas - são o centro das atenções. A abertura será na sexta-feira, 4, às 15 horas, com a apresentação de Já Me Transformei em Imagem, de Zezinho Yube, do Acre, que mostra a realidade da etnia Huni Kuin.
Na programação da mostra, Ete Londres mostra a viagem feita pelo cineasta indígena Takumã Kuikuro (Mato Grosso) a Londres e faz um registro da "sociedade ocidental e suas muitas tribos escondidas sob os arranha-céus". Davi Kopenawa Yanomami, uma das mais respeitadas lideranças indígenas do país, que estaria presente, virá a Salvador somente em abril para uma conferência e lançamento do livro A Queda do Céu (Cia das Letras).
Segundo Thaís Brito, antropóloga e jornalista curadora da mostra, o diálogo intercultura entre indígenas e não indígenas foi a principal base para a escolha dos títulos. "Filmes indígenas que de alguma forma falem de si ou do mundo dos brancos, mas que estabeleçam esse diálogo, pensando em construir pontes, criar significados interculturais", acrescenta.
Além de Tucumã, diretor também do longa As Hiper Mulheres, em parceria com Carlos Fausto e Leonardo Sette, e de Zezinho (ambos já apresentaram trabalhos no Festival de Berlim), Thais Brito fala de Ariel Ortega e Patrícia Ferreira, guaranis do Rio Grande do Sul também presentes no evento.
"Esses quatro são realizadores com mais produção e maior reconhecimento. Mas a gente está trazendo outros que têm uma produção inicial. A ideia é incentivar novas produções, que eles continuem fazendo cinema, e ver também qual é a interação do público baiano com essas realidades", diz
Yube e Kuikuro participam da roda de conversa que acontece logo depois da exibição do filme de abertura, sobre Perspectivas do Cinema Indígena, com Isael Maxacali, de Minas Gerais, e Dário Yanomami, de Roraima. Presente também o antropólogo, indigenista e documentarista Vincent Carelli (veja quadro), criador do Vídeo nas Aldeias, projeto pioneiro na área de produção audiovisual indígena no Brasil, que está completando 30 anos.
Cacique Babau Tupinambá, que não é cineasta, participa do debate Territórios: A Busca da Terra sem Males, que acontece no sábado, com Jaborandy e Ortega, além de Carelli. O projeto Cine Kurumin compõe-se de duas mostras, além de Salvador. A primeira aconteceu na aldeia Tumbalalá, em Abaré, em fevereiro, e outra será realizada na Kiriri, em Banzaê, de 1º a 3 de abril.
Cinema indígena
Para Thais Brito, cinema é cinema, seja de indígenas, de mulheres, de negros ou tendo qualquer outro rótulo. "O principal é que o cinema indígena alcançou um patamar de um cinema como é produzido no Brasil. Ele tem se destacado como cinema brasileiro e já representou o Brasil na Berlinale [como é conhecido o Festival Internacional de Cinema de Berlim]".
A curadora destaca que existe o interesse temático pelos filmes, um olhar mais exótico, mas ao mesmo tempo tem o reconhecimento de uma linguagem própria e uma linguagem que dialoga com a linguagem do cinema.
"O que tem se destacado hoje no cinema brasileiro, que muda um pouco a perspectiva, tem sido o cinema indígena. Pelo tipo de imagem, pela linguagem e temática que propõe e pela atualidade da questão, que também coloca em questão a nossa identidade, a nossa cultura".
Thaís chama a atenção para o olhar, que sempre foi do antropólogo, ou do jornalista ou do documentarista que vai na aldeia. "Hoje você tem uma inversão disso que é o próprio índio olhando a partir de si, olhando para a gente a partir dele. À medida que olha para a sua própria cultura, ele olha para a nossa também", fala.