Chico Castro Jr.
Messias Bandeira - diretor do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências (IHAC) da Universidade Federal da Bahia - sempre equilibrou a vida acadêmica com a paixão pela música independente, especificamente o indie rock. Pioneiro deste estilo no Brasil com sua banda Brincando de Deus, Messias é um dos entrevistados do documentário "Guitar Days - An Unlikely Story of Brazilian Music", que resgata sua banda e as de seus contemporâneos.
Como representante de primeira hora dessa geração aqui na Bahia, como foi sua experiência em relação à recepção do público local? E fora da Bahia?
À época, o que chamávamos de guitar band podia ser resumido no mantra da brincando de deus: uma mediação entre barulho e melodia, com paredes de guitarras afundadas em distorção, voz no mesmo volume dos instrumentos, sem qualquer hierarquização entre eles. Ajudamos a aproximar muita da gente de artistas que causavam este desconforto de microfonia e música, no volume máximo. Tocamos muito fora do estado, embalados pelo nosso primeiro álbum "better when you love(me)", o que, de certa forma, colocou Salvador no mapa do então designado "rock alternativo". Não era nada heroico. Era a subsistência artística com forte carga de militância independente.
Já vi (li, ouvi) dizerem que essa geração de guitar bands que surgiu no Brasil entre o fim dos anos 80 e o início dos anos 90 teve como função preencher uma lacuna, pavimentar a transição entre as cenas "BRock" dessas duas décadas. Mas isso é meio que diminuir, subestimar essas bandas, não? Qual foi a real contribuição dessa geração ao rock no Brasil?
Creio que tivemos a oportunidade de criar um circuito próprio, não como uma negação ao chamado "rock nacional", mas como protagonistas de uma cena que buscava ter visibilidade internacional. A MPB, o Axé, o Sertanejo e até aquele rock nacional foram projetos hegemônicos de mercado, cujo esgotamento foi tão evidente quanto seus ciclos de êxito comercial. Essa geração de guitar bands estava na franja do mercado, sem concessões, o que significa, quase que por tautologia, resistir ao mercado. Muitas destas bandas provaram que a profissionalização era a tônica para fugir de um confinamento local.
Uma das principais características dessas bandas era a absoluta independência estética em relação à música / cultura brasileira, algo que parece ter se tornado um sacrilégio hoje em dia. Por que não parece mais possível fazer rock sem prestar tributo pra Caetano e Los Hermanos no Brasil hoje?
Esta independência estética era exatamente a resultante de uma sintonia com bandas e artistas em escala global. Muitas daquelas bandas poderiam ter participado de festivais internacionais, com distribuição por selos independentes. Mas a opção por uma música menos regionalizada não era programática. A música brasileira não deveria ser subsumida ao rótulo "MPB". Nunca negamos sua importância. Mas preferimos ressignificá-la na relação Brasil-Mundo. Daí que estas guitar bands também dialogavam com o público brasileiro, considerando-o tão importante quanto os circuitos estrangeiros.
O diretor do documentário me lembrou que a bdd foi, provavelmente, a primeira banda brasileira com site na internet, lá em 1993. Qual o papel da internet naquele primeiro momento, em que a rede engatinhava?
Sim, o site da brincando de deus for ao ar entre 1993 e 1994, antes mesmo da emergência da Internet comercial no Brasil. Além do site pioneiro, criamos a lista de discussão "Indie-Brasil", matriz para muitos artistas, jornalistas e produtores musicais. Entre 1998 e 1999, antes do Napster, já mandávamos nossas músicas no formato digital para muita gente. Num país de dimensões continentais, a rede potencializava as iniciativas de muitas bandas, mas ainda era algo de pequena escala. Não há mais dúvida de que a Internet se deslocou de uma posição alternativa para uma centralidade no que diz respeito à gestão de carreiras, à difusão de obras (discos, faixas, vídeos) e, sobretudo, ao empoderamento dos artistas frente ao que chamávamos de "mercado fonográfico", aquela indústria do passado. Viramos o jogo. Como falei há quinze anos: MP3 neles!