Baronesa retrata a vida de duas mulheres de uma comunidade pobre de Belo Horizonte
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Depois de homenagear duas mulheres durante a abertura, as talentosas Helena Ignez e Leandra leal, a Mostra de Tiradentes segue atenta às questões que discutem o feminismo, a cultura do estupro e o olhar feminino nas produções audiovisuais.
Dentre muitos filmes de temática feminina, a realizadora baiana Marccela Moreno, radicada no Rio de Janeiro, apresentou seu curta O Mais Barulhento Silêncio (foto). São relatos, com algo de ensaístico, de quatro mulheres que foram estupradas por seus parceiros em circunstâncias impensáveis.

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"O filme pega um espelho com uma lupa e joga na cara de todos os homens. É muito difícil um homem heterossexual ver esse filme e não se implicar nele", contou a diretora. O filme junta-se a outros, como o curta Autopsia, de Mariana Barreiros, e a ficção Ainda Sangro por Dentro, de Carlos Segundo, para investigar a casualidade com que as mulheres podem ser agredidas e assediadas cotidianamente.
Outro filme que causou muita comoção na Mostra foi o longa Precisamos Falar do Assédio, dirigido por Paula Sacchetta. O filme opera em um dispositivo curioso: a diretora colocou uma van no centro de São Paulo e convidou mulheres que queriam relatar casos de assédio.
Elas ficavam sozinhas dento do veículo, diante da câmera, e podiam falar sobre qualquer caso que tivesse acontecido a elas. A operação documental continua sendo o dos depoimentos e das "cabeças falantes", mas as falas são tão fortes e marcantes, que o dar a voz e o revelar histórias tão íntimas e violentas acabam sustentando o filme enquanto modo contundente de expor a violência sexual contra a mulher.
Olhar para a periferia
A Mostra Aurora, uma das mais prestigiadas em Tiradentes, abriu seus trabalhos apresentando o longa-metragem Baronesa, de Juliana Antunes. O filme é um duro retrato de duas mulheres que vivem em uma comunidade pobre de Belo Horizonte.
Andreia quer construir uma casa em outro lugar; Leid aguarda o marido sair da cadeia enquanto cria seus filhos. O filme é um documentário de observação precioso com olhar feminino para questões do dia a dia de mulheres em situação de pobreza e vulnerabilidade social. As meninas se expressam livremente sobre sexualidade, sonhos, desejos e a vontade de uma vida mais feliz, tudo isso acompanhada por um olhar muito sensível e carinhoso da diretora.
Há um humor inusitado nas conversas entre os personagens, mas o fato de viverem em uma favela com presença intensa do tráfico de drogas, faz com que irrompa dali, inesperadamente, momentos de forte tensão e risco. É nesse limiar entre a amizade e o perigo que o filme se movimenta com precisão.
Mulheres na crítica
Dentro da discussão da participação feminina no cinema e audiovisual, aconteceu ainda o debate "As Mulheres na Crítica: Cenário Brasileiro". A discussão foi promovida pelo recém-criado coletivo Elviras, que reúne mulheres que produzem pensamento crítico sobre cinema no país.
"A gente quer derrubar esse mito de que não existe mulher escrevendo crítica no Brasil. Nós queremos nos mapear. Onde estamos, quem somos, para onde escrevemos, como escrevemos? Nós também estamos nos entendendo nesse processo", afirmou Flávia Guerra, uma das representantes do coletivo durante o debate.
O coletivo já possui cerca de 70 integrantes até o momento, com propostas de investigar a participação das mulheres críticas na grande mídia, nos festivais e os modos de legitimação e visibilidade dada aos filmes de realizadoras. No entanto, as participantes ressaltaram a importância da diversidade de olhares na crítica, sem que esse olhar feminino esteja acima dos filmes em si.
Discutiu-se ainda a participação crítica das mulheres na maneira de olhar para os filmes e para a recepção histórica das obras, mas também como a crítica enxerga a presença de mulheres em outras instâncias críticas, como nas curadorias dos festivais e também na própria realização cinematográfica.