O presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarcou na tarde de hoje em Cochabamba com a tarefa de abordar seu colega boliviano, Evo Morales, sobre a ameaça de expulsão de cidadãos brasileiros radicados na Bolívia. Esse imbróglio supera o atual impasse sobre a indenização à Petrobras pela nacionalização de suas refinarias e a discussão sobre o reajuste do preço do gás exportado ao Brasil, em negociação pela companhia brasileira e a Yacimientos Petrolíferos Fiscales de Bolívia (YPFB).
O encontro privado com Morales foi seu primeiro compromisso no país vizinho, onde participará amanhã (09) da 2ª Reunião de Cúpula da Comunidade Sul-americana de Nações (Casa) e transferirá a presidência temporária desse bloco embrionário para a Bolívia, que a exercerá ao longo de 2008. O presidente Lula permanecerá na Bolívia apenas 24h45, tempo considerado suficiente para tratar dos imbróglios bilaterais com Evo Morales, conversar amanhã cedo com a presidente do Chile, Michelle Bachelet, e impor a visão brasileira sobre a construção do bloco sul-americano. Ele desembarcou hoje na Bolívia às 17h45 (horário de Brasília) acompanhado do presidente eleito do Equador, Rafael Correa. Deverá embarcar a São Paulo às 18h30 (horário de Brasília) de amanhã. Mas o Itamaraty já trabalha a possibilidade de um encontro mais estruturado entre os presidentes, que deverá ser tratado durante a visita do chanceler boliviano, David Choquehuanca, ao Brasil no próximo dia 18.
Ao presidente Lula interessa, neste momento, impedir que Evo Morales transforme o tratamento aos brasileiros radicados na Bolívia em mais um instrumento de política interna, assim como foi o anúncio do decreto de nacionalização dos setores de gás e de petróleo, marcado pela ocupação militar das plantas da Petrobras no país. O risco é considerado elevado por diplomatas brasileiros que acompanham o tema, uma vez que Morales enfrenta a mais grave crise política desde sua posse e necessita como nunca do apoio de suas bases populares. A questão do gás não faz parte da agenda do presidente Lula que, apesar da insistência de Morales, evitar politizar questões empresariais que competem apenas à Petrobras.
O primeiro imbróglio na relação bilateral diz respeito aos produtores de soja brasileiros, radicados legalmente na região de Santa Cruz de la Sierra e responsáveis por cerca de 50% das exportações bolivianas do produto. Tratam-se de alvos diretos da Lei de Reforma Agrária, aprovada no último final de semana por meio de uma manobra política de Morales. O governo boliviano convenceu senadores suplentes a substituírem os titulares da oposição, que haviam se retirado da votação para impedir o quorum mínimo. A lei prevê que caberá exclusivamente aos Comitês de Camponeses definir o conceito de propriedade rural produtiva e de latifúndio - delegação que atende a reivindicações de uma parte da base de sustentação política de Morales. O segundo problema, considerado ainda mais crítico pelo Itamaraty, é a possibilidade de expulsão do território boliviano dos cerca de 2.000 extrativistas, garimpeiros e agricultores brasileiros que cruzaram a fronteira do Acre e se instalaram irregularmente nos Departamentos (Estados) do Pando e do Beni. A Constituição boliviana proíbe a presença de estrangeiros na faixa de 50 quilômetros das fronteiras do país, e o governo Morales já deixou claro que não fará concessões a essa regra. Em maio passado, durante uma visita apaziguadora do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, à Bolívia, foram criados dois grupos de trabalho para lidar com essa questão e também da renovação do acordo bilateral de regularização de imigrantes ilegais, que acabou vencendo sem prorrogação em setembro passado. Esse acordo deverá abarcar também a situação dos cerca de 80 mil bolivianos residentes no Brasil, dos quais a maioria de forma ilegal.